
Qualquer filme com Brad Pitt e Tommy Lee Jones é uma promessa de qualidade. Uma que, no caso presente de “Ad Astra” (título latino que, usando palavras da “Eneida”, significa “Às estrelas”), não sai gorada do ponto de vista visual, não obstante aqueles atores se tenham entregado a um mero “serviço mínimo”, quiçá por se ter querido tirar vitalidade emocional às suas personagens.
Por Alexandre Freire Duarte
Embora a trama deste filme seja penosamente linear, as suas interpretações são múltiplas. Dito isto, parece claro que se podem cruzar duas constatações fundamentais. De um lado, e na dimensão mais estritamente ligada às relações humanas, estamos perante uma narrativa que aponta para o facto, totalmente veraz, de que cada um de nós só madura quando se encontra com a realidade das debilidades e fraquezas (potencialmente nocivas) do seu pai. Até esse momento, as ilusões infantis perduram, impedindo aquela maturidade que é essencial para se erigir uma vida sadia num mundo que, tantas vezes, é incomplacente.
Por outro lado, e na vertente da viagem sideral, pode estimar-se que se trata de uma epopeia que denuncia metaforicamente a religião como uma ilusão, mormente a cristã devido à sua singular e incontornável figura de Deus como “Pai”. Com efeito, parece que há o convite a se reconhecer que não há mais “ninguém” no Universo além dos seres humanos: estamos sós e abandonados ao destino que construímos, com as nossas mãos desamparadas, na nossa única (e sempre ameaçada) casa que é o planeta Terra.
Numa ponderação teológica destas perspetivas, é de referir, em primeiro lugar, que quanto mais a trama se afasta da Terra, mas as coisas se tornam banais, fazendo-se da figura do “pai”/“Pai” uma banalidade, causando aquela referida desilusão que afasta o encantamento imaginativo de toda uma vida e leva à dura aceitação da realidade. Acontece que Deus não é fruto da imaginação humana: nós é que somos o fruto da Sua amorosa imaginação criadora, por mais que tenhamos que nos libertar das caricaturas que, ao longo do nosso crescimento, d’Ele fizemos, até que O reconheçamos apenas como Amor, mormente naquela fragilidade desarmada do Trespassado, a qual é a Sua mais perfeita transparência.
Depois é de salientar que embora a nossa condição terrena presente já seja semente da perene, a verdade é que ela, embora não vá ser descartada, está a “anos-luz” de uma nossa verdadeira “casa”. Aquela que constataremos ser a eternamente “nossa” quando estivermos pela primeira vez, não sozinhos no vazio da beleza do Universo, mas comunitariamente nos braços do Pai que é a Beleza. Enfim, se porventura até possam não existir outras criaturas inteligentes (algo não dito pela teologia cristã), nós não estamos sós: o Deus-Amor que tudo cria desde a Cruz, está sempre presente à Sua Criação num indefetível comprometimento afetivo e efetivo.
(filme “Ad Astra”, USA, 2019; Dirigido por James Gray, com Brad Pitt, Liv Tyler e Tommy Lee Jones)