
“A virtude é a verdadeira medida do progresso das sociedades”
Antero de Quental
Todas as profissões têm a sua deontologia, os seus deveres específicos, que enraízam em princípios éticos. Os juízes, os advogados, os professores, os médicos, os empresários, os políticos, quaisquer trabalhadores têm deveres a cumprir, os que lhes são próprios e os deveres gerais de quem vive numa sociedade civilizada.
Por Ernesto Campos
A propósito de casos chocantes de negligência profissional a negligência médica, por exemplo, é particularmente grave porque envolve diretamente o bem mais precioso que é a vida e a saúde humana, por isso, mais grave que o crime do juiz venal, do banqueiro corrupto, do professor ignorante, do político que abusa da autoridade e o funcionário que abusa do poder.
Sobre a ética médica, Damiel Serrão, médico, professor catedrático de medicina, falava duma ética das virtudes que se deve acrescentar ao saber científico. Escreveu: “Não bastam os livros nem as disciplinas de ética médica no currículo dos cursos; é preciso mais”. “Os princípios éticos que pretendem balizar o comportamento dos profissionais de saúde”. “Os códigos deontológicos fixam as regras resultantes desses princípios”. “O essencial para o bom relacionamento está nas virtudes dos profissionais cultivadastradicionalmente desde há séculos”.
Que virtudes? Diríamos que, em termos gerais, antes de tudo há um conjunto de virtudes que são a base de todo o edifício da prática do bem. Chamam-se virtudes cardiais – prudência, justiça, fortaleza de ânimo, temperança. Estão no catecismo e já o pensamento de muitos séculos, antes as definia como “disposições naturais e voluntárias para praticar o bem” e que, pela prática de atos bons, se transformam em “hábito operativo bom” como, também desde há séculos, se define a virtude.
É aqui que o relativismo moderno levanta o problema: se se trata de hábito automático a virtude deixa de o ser, não tem mérito nenhum nem respeita a liberdade de escolha entre o bem e o mal. Daí que a virtude (conceito e prática) seja hoje coisa fora de moda. Ora o hábito antes de ser um estado foi construído por atos bons repetidos, resultantes de disposições naturais assumidas por deliberações voluntárias e livres. Um hábito, pois, dirigido pela razão e aperfeiçoado pela experiência. Quer isto dizer que a virtude pode e deve ser cultivada pelo ensino e pela prática porque humaniza a pessoa.
A ética das virtudes, coroamento vivencial de princípios e saberes, pode dizer-se que integra também, na origem, as referidas virtudes cardiais, naturais, humanas, virtudes morais, sustentáculo de tudo e aplicáveis a todas as deontologias e éticas, da medicina à justiça, da política à ciência e à ate, do comércio às relações laborais e às mais simples e espontâneas.
A escola portuguesa ignora, no seu currículo expresso, o ensino das virtudes – a prudência ou sabedoria para distinguir o bem do mal, a justiça no uso do meu e do teu, a coragem para superar as dificuldades, a temperança dos bons costumes. Seria um bom programa para uma disciplina de formação pessoal social no ensino básico. Terá faltado sabedoria e coragem. Que ao menos os professores estimulem a ética destas virtudes no chamado “currículo oculto”. Na fé de que, como dizia Dewey, “educar é criar bons hábitos”.