
A Espanha está a viver um dos períodos mais críticos da sua história. Não se trata, pelo menos para já, de qualquer crise económica de maior ou menor gravidade.
Por António José da Silva
Do que se trata, e não é coisa de somenos, é de uma crise que tem a ver com identidade. Quando uma parte razoavelmente significativa dos seus habitantes põe em causa a sua língua e os seus símbolos, há motivos sérios para perguntar de que país falamos quando dizemos Espanha.
A primeira resposta é que falamos de um país com uma história riquíssima e secular, o que se torna difícil de perceber à luz das fogueiras que iluminaram as noites de Barcelona, nos últimos dias. Essas fogueiras ateadas por manifestantes que se reclamam de nacionalistas e independentistas destroem não apenas o chamado mobiliário urbano, mas consomem sobretudo a história dum povo que, desde o século XVI, se foi construindo orgulhosamente como um estado soberano, superando desafios maiores ou menores.
Hoje, esse estado soberano está a ser conscientemente e deliberadamente posto em causa por todos aqueles que, na Catalunha e noutras regiões de Espanha, colocam a sua própria identidade regional acima da sua identidade coletiva, ou seja, a identidade que lhe é conferida pela sua pertença ao estado espanhol. A luta pela primazia das línguas regionais sobre a língua espanhola é apenas o exemplo mais claro e mais expressivo de um movimento que tende a colocar essa identificação regional acima daquela que ainda lhes dá o nome pelo qual são reconhecidos internacionalmente. E dizemos ainda, porque parecem ser cada vez mais os cidadãos do país vizinho a rejeitar a sua identificação como espanhóis.
Num cenário destes, pode dizer-se que não há soluções fáceis. Nenhum governo, por mais dialogante que seja, correrá o risco de ceder às exigências independentismo, sob pena de trair a história do país que jurou defender e guardar na sua integralidade, e que já fez praticamente todas as cedências possíveis no caminho do respeito pela história de cada uma das nações que fazem parte do seu todo. Há quem defenda que essas cedências terão sido demasiado tardias e pouco corajosas, mas poucos estados terão avançado tanto como a Espanha no difícil caminho do respeito pelas autonomias de alguns dos seus territórios. A actual crise espanhola resulta pois do desafio que se levanta a qualquer estado cuja origem tenha sido plurinacional.
A segunda resposta é que os acontecimentos de Barcelona vieram confirmar que o mapa político da Europa parece ainda longe da sua última definição.