
Único representante português no Sínodo escreve reflexão.
O padre Sérgio Leal, sacerdote da diocese do Porto, estuda Teologia Pastoral em Roma e é responsável pela página litúrgica da VP. De 6 a 27 de outubro colaborou com a Secretaria Geral do Sínodo dos bispos para Amazónia. Caminhando da Casa Santa Marta para a Aula do Sínodo encontrou o Papa Francisco. Trocaram algumas palavras e, na ocasião, o Santo Padre até gravou uma vídeo-mensagem para um grupo de estudantes universitários do Porto. É sobre o Sínodo esta sua primeira reflexão que aqui publicamos em exclusivo.
Terminados os trabalhos do Sínodo dos Bispos nesta Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica com o tema: “Amazónia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”, partilho convosco a minha experiência deste caminho sinodal, bem como algumas linhas de orientação para a leitura do Documento Final que já se encontra publicado. Salvaguardando a confidencialidade própria deste serviço que prestei como assistente da Secretaria Geral do Sínodo, testemunho a beleza do caminho percorrido e a relevância desta experiência eclesial.
Em primeiro lugar, reforcei a consciência que a sinodalidade enquanto dimensão constitutiva da Igreja é caminho imprescindível para que o Evangelho de Jesus Cristo possa chegar ao coração de cada homem e de cada mulher. Caminhar juntos como Povo reunido na unidade do Pai, Filho e Espírito Santo (LG 4), discernindo o que o Espírito Santo pede à Igreja aqui e agora, é tarefa urgente e necessária na acção evangelizadora da Igreja. Deste modo, no seu discurso de encerramento da Assembleia Sinodal, o Papa Francisco apontava a Sinodalidade como um dos temas prováveis para o próximo Sínodo, pois apesar do caminho percorrido, muito há ainda a descobrir e aprofundar neste modo de ser Igreja.
Neste discurso, o Papa Francisco, alertando para a tentação dos «grupos cristãos de ‘elite’» que, gostam de se prender nas resoluções mais disciplinares e intra-eclesiásticas, pedia à comunicação social que na divulgação do Documento Final se detivessem sobretudo «naquilo que o Sínodo se expressou melhor»: no diagnóstico e reflexão destas quatro dimensões fundamentais (cultural, social, pastoral e ecológica). Irei procurar acolher o desafio do Santo Padre e partilhar convosco uma visão de conjunto que nos possa ajudar a entrar na exigente e árdua tarefa sinodal de descobrir juntos os novos caminhos para a Igreja Amazónica e para uma ecologia integral.
O ambiente vivido ao longo dos trabalhos foi de uma grande serenidade e tranquilidade, com uma enorme capacidade diálogo, onde cada um aceitou o desafio do Papa no seu discurso de abertura de falar com liberdade e escutar com humildade. O ambiente orante e fraterno ofereceu um substrato fundamental para o desenvolvimento dos trabalhos e as intervenções muitas vezes foram acompanhadas por aplausos e cânticos que testemunhavam o entusiasmo da Igreja que caminha na região Amazónica. Na Aula Sinodal, estava também presente o colorido das plumas e das vestes indígenas que era apenas o sinal exterior de que ali se faziam presentes as alegrias e esperanças, as preocupações e perplexidades, os desafios e as potencialidades dos povos amazónicos.
Tal como revela o documento final, ao longo dos trabalhos foram apresentadas as questões mais emergentes na evangelização da região amazónica: a grande extensão e as exigências geográficas do território, a escassez do clero e comunidades que vivem sem a celebração da Eucaristia, as ameaças ambientais e a crise climática, a violência e ameaças que sofrem os povos indígenas, um laicado empenhado na acção evangelizadora, a presença evidente da mulher como agente pastoral fundamental e a certeza de que frequentemente é na Igreja que os povos indígenas encontram uma aliada na defesa dos seus direitos.
O grande desafio deste sínodo para a região amazónica e que deverão servir de estímulo para a Igreja Universal é o caminho da escuta da realidade concreta até uma verdadeira conversão integral que como apresenta a estrutura do documento final se deve traduzir numa conversão pastoral, cultural, ecológica e sinodal.
Além das já abundantemente referidas questões sobre a reabertura da Comissão de estudo para o Diaconado feminino e a ordenação de diáconos permanentes com um diaconado fecundo e que recebam uma adequada formação para o presbiterado, sublinho algumas das propostas fundamentais para que este caminho de conversão integral se torne fecundo e operativo. Uma Igreja de rosto missionário, que procura passar de uma pastoral de visita a uma pastoral de presença e proximidade. Um caminho de inculturação da fé, chamado a traduzir-se na criação de um rito amazónico que enriqueça e favoreça a tarefa evangelizadora. Uma conversão ecológica, com a criação de ministérios para o cuidado da “Casa Comum” e para o acolhimento daqueles que são despejados e a criação de um Observatório Sócio-ambiental Pastoral para a defesa e promoção da vida.
Uma verdadeira conversão sinodal que promove a evangelização, não a partir da escassez do clero, mas na multiforme acção de toda a comunidade eclesial, potenciando a formação dos leigos como protagonistas da acção evangelizadora, com itinerários de formação inculturada e com a proposta de novos ministérios que incluem o reconhecimento do papel imprescindível da mulher que deve ir além do funcionalismo. A redistribuição do clero que é própria da acção missionária ad gentes ao longo da história bimilenar da Igreja. A formação de um clero autóctone com a proposta da criação de seminários indígenas e de uma Universidade Católica Amazónica baseada numa investigação interdisciplinar, na inculturação e no diálogo intercultural. O Santo Padre anunciou ainda a criação de uma secção amazónica dentro do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.
Finalmente, importa referir que apesar da exigência de caminhar juntos que é próprio da dinâmica sinodal, o Documento Final evidencia que o Sínodo mais do que um parlamento é um lugar de discernimento, consenso e comunhão guiado pelo Espírito Santo e chamado a responder com ousadia às exigências do nosso tempo numa fidelidade criativa à tradição.
(padre Sérgio Leal)