
“Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem”
Jean-Jacques Rousseau
Independentemente dos seus nomes e da classificação de direita e esquerda, os partidos dividem-se em duas categorias: os que preconizam a supremacia do Estado, ao menos teoricamente, em relação à sociedade civil e os que advogam o primado desta sobre a quele porque lhe é anterior. A tendência no mundo dos nossos dias é um equilíbrio entre aqueles extremos que pode rotular-se de democracia liberal. Os que neste binómio acentuam o segundo termo assumem o liberalismo como teoria e como prática política, económica e social; uma ideologia da liberdade individual.
Por Ernesto Campos
Desde remota antiguidade sempre foi ao Estado que se deu a maior importância; o indivíduo só conta em função do Estado a que pertence e ao qual tudo deve. Foi o Estado que retirou o indivíduo da barbárie em que vivia sujeito à natureza e aos instintos primários. O Estado é visto como humanizador e condição da liberdade do indivíduo. É preciso chegar ao \civilização ocidental as primeiras manifestações de individualismo, que vão consolidar-se na Revolução Francesa no fim do século XVIII. Mas o pensamento liberal tem raízes anteriores, na filosofia greco-romana e, mais ou menos explicitamente, no Cristianismo; com avanços e recuos chega-se, pacificamente na modernidade, ao liberalismo como ideologia da liberdade e a democracia liberal.
Revelam-se, aqui, as contradições que importa esclarecer. Etimologicamente, democracia é o poder do povo, da sociedade; o liberalismo, porém, realça o valor do homem como indivíduo e invoca uma certa interpretação do princípio da subsidieriedade que não aceira a ingerência da sociedade naquilo que os indivíduos são capazes de fazer. Como conciliar estas conceções de bem, os interesses individuais em conflito e a cultura política instalada? A antropologia cristã traz alguma luz a esta contradição terminológica. Da liberdade (assumida hoje como ideia política) diz Maritain: “é propriedade inalienável da natureza espiritual” do homem, anterior à democracia ou à falta dela, inerente à dignidade da pessoa humana, que os católicos definem como dom de Deus. Daí que a pessoa (que não se confunde com indivíduo)\ tenha capacidade de gerar consensos e assumir compromissos (John Rawls, seguir a id. política OUTORGADA PELO ESTADO). E porque estamos todos metidos na mesma aventura da vida os compromissos estão sujeitos a princípios e valores éticos – respeito pelo outro, solidariedade social, sociedade económica e socialmente equitativa, igualdade de oportunidades…
Na história recente, o liberalismo como teoria e como política passou por várias vicissitudes. Quando muitos liberais agnósticos descobriram o ideário da encíclica Quadragésimo Anno (Pio XI, 1931) apressaram-se a proclamar-se cristãos não confessionais. E quando Wilhem Reich (1897- 1957) propõe a revolução sexual integrável num liberalismo de costumes, vários detratores do liberalismo económico e social vão refugiar-se neste liberalismo cultural, moralmente permissivo.
No atual contexto de democracia liberal, cujo dever é promover a diversidade racional e aceitável, importa ver o terreno que se pisa. Ética do direito à liberdade sem princípios ou ética do dever de respeito e construção da sociedade justa, sem individualismo em que o fraco é esmagado pelo forte? É que há liberalismos vários, ditos à direita e à esquerda seja lá isso o que for.