
A celebração dos sessenta anos do exílio e das «bodas de ouro» do feliz regresso à Pátria de D. António Ferreira Gomes trouxe à memória pensamentos, factos e tomadas de posição que muito interessam à Igreja de hoje. Recordo uma.
Este Antístite invocava muitas vezes os “bispos medievais” do Porto, seus antecessores, para quem a liberdade da sua Igreja e a defesa dos direitos do seu povo, face a um absolutismo real sempre crescente, constituíam valores inegociáveis. Mesmo que tivessem de ser defendidos com a dor da perseguição política, o vexame e o exílio, como aconteceu, posteriormente, por exemplo, cá dentro, com esse “mártir da República”, o venerável D. António Barroso e, lá fora, com D. Sebastião Soares de Resende, outro ilustre portuense amigo, confidente e «cúmplice» de Mons. Ferreira Gomes.
Tudo isto fez deles verdadeiros “senhores da cidade”. Se, desde há muito, administrativamente, nenhum reclamou essa referência, não lhes fica mal esse título, pois, pela sua vida e obra, mereceram acolhimento no afeto dos cidadãos do Porto cidade e Porto região. Que o diga, por exemplo, o senhor D. António Francisco dos Santos: alguém se plantou tanto no coração do povo como ele, a ponto de lá despontar um amor que nem a morte conseguiu extinguir
A herança espiritual de D. António Ferreira Gomes pode sintetizar-se precisamente nisso: quando todas as instituições, mormente a política, a economia e a cultura, se afadigam em cortar com o antecedente ou mesmo demarcarem-se dele na mais hostil oposição, esse arauto dos tempos novos encarnou, com a mais ousada valentia, a fidelidade à longa tradição que caracteriza os Bispos do Porto: defesa acérrima da liberdade da Igreja e não menor preocupação com o bem comum da sociedade.
Por isso, a grei tem-no no coração. E a liberdade democrática de que hoje gozamos sabe quanto lhe deve. É que o povo não se deixa enganar facilmente e distingue bem quem está do seu lado ou quem pretende usá-lo em seu benefício. E D. António esteve do lado do Povo e encarnou o seu mais nobre e profundo sentir.
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