O acontecimento tinha vindo a ser preparado de há muito. Uma obra destas exige projeto, alma e mãos. Exige pensamento, vontade e dedicação. Exige o material para edificar o espiritual. Exige a realidade física para a transformar em crescimento humano e social.
Com tudo isto se foi construindo o grande órgão de tubos da igreja de Nossa Senhora da Maia. No seu boletim paroquial de setembro de 2019 (Jornal paroquial de S. Miguel da Maia), para além da abundância e qualidade das iniciativas paroquiais, viam-se já imagens significativas da sua construção, e ao lado um pequeno quadro intitulado “ofertas”, onde significativamente se assinalava: “Faltarão alguns donativos… obrigado e todos os que até agora partilharam”.
É esse o sentido: partilhar. Partilhar o dinheiro, as ofertas, as colaborações, mas sobretudo a presença e o ânimo de uma comunidade certamente numerosa, mas essencialmente dinâmica, que disponibiliza à sociedade um instrumento de elevação espiritual e de expressão artística de valor invulgar: o órgão de tubos, que dialoga com um grandioso painel de vitrais, com a centralidade de Cristo, e uma imagem de Maria que abre os braços em doação e bênção, e agora uma relíquia que torna presente o Papa S. João Paulo II e que foi colocada em nicho na entrada da igreja em dia de festa da Senhora da Maia, a que presidiu o Bispo do Porto, D. Manuel Linda. Uma placa lembra que é oferecida à paróquia de São Miguel da Maia, sendo uma porção da indumentária de João Paulo II, pelo vigário do Papa Francisco Cardeal De Donatis.
A festa teve também a bênção da chuva, que determinou que a procissão prevista não saísse à rua, mas deambulasse intimamente no seio da igreja, como que abençoando e homenageando também ela com os seus participantes a presença do novo órgão.
Na noite de 11 de outubro o Bispo do Porto presidiu à bênção do novo órgão, contando com a presença das autoridades da cidade e concelhias (Presidente da Câmara, Presidente da Assembleia Municipal, Presidente da Junta), tendo a seu lado o pároco, P. Domingos Jorge. Uma cerimónia simples, com a participação do coro paroquial e do canto da assembleia. Nas palavras ditas, D. Manuel salientou o significado histórico e litúrgico deste instrumento musical: o louvor de Deus através do canto da assembleia dos crentes e a fruição estética que a arte musical exprime, recordando que se há um instrumento na história e na vida da igreja tenha sido expressão da atitude orante da assembleia dos fiéis, esse é o órgão de tubos.
Dessa raiz humanista e histórica, esse instrumento tornou-se ao longo dos tempos raiz de obras de arte físicas, através da criatividade dos seus construtores, e obras de arte imponderáveis, através da criação musical e dos concertos que em todo o mundo continua a proporcionar. Assim, na igreja da Maia, na sua identidade própria, é mais um testemunho da fé, da criação artística e da beleza de que a pessoa humana é capaz.
Ficou também uma placa comemorativa, que na língua antiga e sempre nova do latim, lembra:
Ad maiorem dei gloriam [Para maior glória de Deus]. Bênção do grande órgão de tubos por sua Ex.cia Reverendíssima D. Manuel Rodrigues da Silva Linda, Bispo do Porto, sendo Pároco da Maia P. Domingos Jorge Duarte do Aido e Presidente da Câmara Municipal Eng.º António Domingos da Silva Tiago. 11 de Outubro de 2019, 27.º aniversário da Dedicação desta Igreja de Nossa Senhora da Maia. Magnificat anima mea Dominum [A minha alma glorifica o Senhor] Orgelbauwerkstätte Siegfried Schmid, organeiro alemão. António Carlos Corte Real, Arquitecto.
O concerto de abertura esteve a cargo de Filipe Veríssimo, organista da igreja da Lapa, que o iniciou com uma obra clássica da literatura organística: a Tocata e fuga em Ré menor, de Johann Sebastian Bach, apresentando depois música César Franck e a concluiu com uma obra de Charles-Marie Vidor. Merecidamente aplaudido, o organista chamou ao estrado do altar o construtor do órgão e os seus colaboradores, para acolherem os longos aplausos do público.
O segundo concerto, na noite de domingo, teve como executante outra figura relevante do universo portuense da música para órgão: Rui Fernando Soares, que apresentou um programa variado, desde a música portuguesa do século XVII, à barroca da Marin Marais, à romântica de Felix Mendelssohn e à do século XIX e XX, Theodore Dubois e Wojciech Kilar.
Anuindo aos prolongados aplausos, o organista apresentou em extra programa um “improviso” e várias modulações com que mostrou as potencialidades do instrumento, desde o órgãos simples até ao grande órgão com exaltação de toda a multiplicidade das suas vozes, que deslumbrou a assembleia presente.
Uma iniciativa e um instrumento deste valor não pode ficar esquecido: deve servir para a liturgia, mas igualmente para concertos que se podem tornar frequentes, e que certamente contribuirão para a educação estética, espiritual e humana da população, crente ou não crente daquele cidade, que assim sai valorizada. É a beleza que salvará o mundo, como escreveu Dostoievsky, mensagem que tem sido glosada por tão numerosos comentadores, entre os quais José Tolentino de Mendonça. (C. F.)
ND – Estão previstos nesta fase inicial mais dois concertos: no domingo 20 de outubro, 21h30, por Daniel Ribeiro (0bras de N. Bruhns, J. S. Bach, J. Rheinberger, M. Reger, Denis Bédard e J. Matthias Michel, os dois últimos nossos contemporâneos. Na no domingo 27 de outubro, 21h30, concerto por Tiago Ferreira, com obras de J. S. Bach, Olivier Messiaen, Edward Elgar e Ch. Tournemire.
(CF)