
Fazemos memória de dois acontecimentos marcantes para esta Diocese e mesmo para o todo nacional: os sessenta anos do exílio de D. António Ferreira Gomes e as Bodas de Ouro do feliz regresso ao seu múnus de Bispo do Porto.
Por detrás destas peripécias está o célebre «pró-memória a Salazar». É um documento… histórico. Faz parte do passado. Mas a história regista-o como momento lúcido e marcante. A vários títulos.
Primeiro de tudo porque demonstra que a Igreja é «popular», isto é, sabe estar com o seu povo, comungar das suas aspirações, fazer seus os êxitos e os fracassos. Ou, como diz o Papa Francisco, ser uma Igreja que suja as botas nos caminhos enlameados, uma Igreja qual “hospital de campanha”.
Depois, exprime una nova atitude mental e forma de ser Igreja: não mais a do poder ou abrigada às sombras dos poderes, mas «rica» precisamente porque sem poder. Só isso lhe permite uma liberdade que não tem preço. O fim da cristandade, entendido como simbiose entre o trono e o altar, e a separação (violenta e forçada) entre a Igreja e o Estado acabaram por se revelar como dois dos maiores benefícios que a modernidade poderia conceder à Igreja. Não temos, efetivamente, qualquer outro senhor que não seja o Senhor.
Por isto e por causa disto, é uma Igreja «incómoda», uma Igreja chamada a um anúncio em função da verdade desse anúncio e não adocicado por causa da simpatia ou da ira de qualquer detentor do poder. Ou mesmo do ouvinte. Claro que, numa sociedade pluralista, haverá sempre quem valorize contraditoriamente: quem, em função dos seus interesses ou estado de humor, se enfureça, enquanto, ao mesmo tempo, outro aplauda. Por isso, a Igreja terá sempre inimigos e ódio de estimação. Possivelmente, continuará a ter mártires, cruentos ou exilados: são as consequências de uma fé vivida e proclamada.
Celebremos pois. Celebremos porque comemoramos o presente e o futuro da nova relação da Igreja com o mundo. Tempos novos para benefício das duas partes, inaugurados pelo profetismo do intrépido D. António, o eterno “Bispo do Porto”.
***