O modo de vida europeu

“Continuará a Europa a ser o que parece, (…) o cérebro de um vasto corpo?”

Paul Valéry, escritor

(1871-1945)

A democrata cristã indigitada presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, quer um comissário do modo de vida europeu. Levantou-se grande contestação porque, alegadamente, se trataria de eurocentrismo provocatório para com migrantes com outros usos e costumes.

Por Ernesto Campos

A Senhora teve de responder que se trata explicar ao mundo os valores, hoje ameaçados, que integram a atual ideia de Europa: dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, estado de direito, direitos do homem, consignados no Tratado de Roma. Bem podíamos acrescentar a fraternidade de que já falava a Revolução Francesa e que o cristianismo, indo mais longe, desde há 2000 anos fundamenta na filiação divina de todos os homens.

A onda imigratória que se espraia pela Europa bem justifica a urgência de aprofundar tais valores. Não se trata de eurocentrismo; trata-se de afirmar um europeísmo que só enriquecerá o incontornável interculturalismo com os que nos batem à porta. Sendo certo que não cabem cá todos e que, em todo o caso, não podemos deixar de ser o que somos e como somos, estamos de braços abertos para os receber e compreender de bom grado a bondade do budismo ou a confiança em Deus que o islamismo revela.

Há ainda outra razão para a urgente defesa dos valores europeus. Os que demandam a Europa, acreditando encontrar aqui melhores condições de vida, não ignoram que os bens materiais de que estão privados, em última análise, são, também, em grau mínuimo, expressão de dignidade humana que igualmente lhes é negada. Ser e ser-mais exige um ter-mínimo de sobrevivência; e a miséria e a fome são incompatíveis c violam a dignidade que é traço essencial e conatural da pessoa humana. Os valores europeus são, além do bem estar do “estado social”, o que de melhor podemos oferecer.

Os europeus, esses desdenham do seu espaço de conforto e acham que a Europa de hoje é uma espécie de sande mista com uma fatia de pão americano por cima e outra de petróleo árabe por baixo a esconderem uma tira de queijo francês e outra de deslavado presunto alemão; e a isso reduzem a Europa. Mas louvam-se em Moisés como primeiro humanista porque nos deixou os Dez Mandamentos; e em Santo Agostinho, natural de território africano mas que à Europa veio para aprender e ensinar. Mas isso era dantes, resmungam os eurocéticos; agora estão esquecidos os grandes ideais dos pais fundadores.

É mais uma razão para tornar mais real a utopia dos valores europeus. Se nas escolas da Europa e mos lares europeus se explicar e aprender o que é a dignidade humana, como tem de se ensinar e aprender os Dez Mandamentos, os direitos fundamentais correm menos o risco de serem violados.

Jean Monet, a quem muito deve a União Europeia, privilegiou a economia em vez da cultura para edificar a unidade e garantir a paz. Arrependeu-se porque o resultado é o que se vê, os tempos traíram-no. Tempo é agora de privilegiar a cultura dos valores ético-políticos para humanizar a prosperidade europeia sem ceder à “economia que mata”, como diz o Papa Francisco.