Linguagem, linguagens, sentidos, influências

Foto: Vatican News

Com o período eleitoral em andamento, importa lançar sobre ele um olhar. Nos idos de 2014 escrevia-se neste semanário, pela pena de Alexandrino Brochado, de saudosa memória, que “a nossa língua está eivada de estrangeirismos”.

Por M. Correia Fernandes

Ninguém duvidava: apresentava-se um substancial conjunto deles, então em triunfal entrada: ranking, rating, swaps, lobbying, homebanking, qualifying, champions… Uns meses mais tarde noutra crónica surgiam referências ao Portugal open, ao Portugal fashion, à Final four, expressões que ganharam foros de referência constante de quem na comunicação social presume de entendido ou moderno, universo devidamente autopromovido.

Agora vemos escarrapachado nas páginas deste semanário a referência a um projeto dito “Say Yes”, para “aprender a dizer sim”. Afinal a mensagem destina-se a jovens em Portugal ou no Reino Unido, por causa do “brexit”? Os nossos jovens não entendem o sentido de “Dizer sim” em português? Ou andamos em exercícios de exibicionismo linguístico?

Mudaram-se os tempos e permaneceram as vontades, em caminho para pior, como o aquecimento global ou a necessidade da descarbonização. Não sei se os entendidos pensaram como com a eliminação do carbono de pode produzir a fotossíntese, já que parece que por ora não desaparece a luz solar.

Hoje não há conversa, discurso, declaração, programa televisivo ou radiofónico onde não surja lá pelo meio o estrangeirismo encartado, geralmente proferido com substantivo ar doutoral.

Também neste mesmo local, em ocasião mais recente, nos insurgíamos contra o abuso de terminologia da violência. Este é também um vício ou maleita que se instalou nos jornais, pior que a hepatite C ou o veneno da vespa asiática ou americana. Leiam-se só estes títulos de recente confeção, no meso dia, no mesmo diário: “Disparam preços das casas”… “Dilma Roussef arrasa Bolsonaro”… “Investigação a Paim arrasada e arquivada”… É difícil ver preços a disparar como se fossem as espingardas roubadas de Tancos, o contemplarmos o pobre do Presidente Brasileiro arrasado como se fosse vítima de um sismo de intensidade 10 na escala de Richter ou o equívoco mental de como uma investigação arrasada pode ser arquivada.

É perturbante esta premência de uma linguagem de violência, cujo fundamento não se vislumbra: alguém que emite uma crítica não arrasa a pessoa criticada, de contrário todos os líderes políticos estariam já reduzidos a pó.

A violência verbal induz outros tipos de violência. Em contraposição a esta linguagem, haveria que levantar uma outra, recolhida por exemplo num texto do P. António Almiro:

A beleza enche de regalo os olhos; as dádivas enchem de abundância as mãos; a saúde enche de encanto a vida; a virtude enche de formosura a alma; o trabalho enche de dignidade os humanos; a fé enche de esperança o tempo; o saber enche de oportunidades a existência; mas só o amor que se dá e se recebe enche de felicidade o coração.”

Há outro ripo de linguagem que do mesmo princípio também advém: a linguagem conflituosa nas declarações ou proclamações políticas, e a escolha e seleção de temas para serem debatidos, que são predominantemente aqueles em que em vez de propostas há a conflitos.

Quem tenha ouvido a profusão de declarações dos partidos concorrentes às eleições próximas, dá-se conta de que não se tem discutido projetos ou processos de governação, mas gestão de conflitos. Onde eles não existem, há que inventá-los…

As mensagens dos partidos políticos não têm primado pela positiva, pela proposta. Não pelo serviço comunitário, mas pela linguagem de contraposição. O que eu disse bem, o que tu disseste mal. Os bens que eu fiz e as maldades que tu fizeste. As nossas ideias sublimes e as vossas propostas destruidoras.

De repente fomos assaltados pelo assalto aos paióis de Tancos Problema certamente importante, mas que tem esse roubo a ver com propostas de uma campanha eleitoral escraecedora: os planos de governação do país, ou simplesmente dos projetos de cada partido para os grandes problemas nacionais: economia, saúde, educação, justiça social, valorização do trabalho pelo bem comum, escolha de tarefas construtivas, a produtividade e as tarefas úteis ao bem comum. Um universo de coisas de repente assoladas nos paióis de Tancos.

Porque não falar antes da paz social? A linguagem agressiva destrói o convívio fraterno e a convivência dos cidadãos.

Há também as palavras institucionais, que lembrávamos em novembro de 2014, como o uso do termos inaceitável, quando discordamos, ou  incontornável, quando queremos que se fale de qualquer tema ou qualquer acontecimento. Ora “incontornável” designa um obstáculo que não se consegue ultrapassar, e não, como no sentido em que é habitualmente usado, um tema ou assunto de que queremos que dele se fale: de obstáculo inultrapassável passamos a referência que queremos obrigatória…

E andamos nós a discutir o acordo ortográfico e as suas mazelas, e deixamos para trás o rigor e correção da linguagem que alegremente descuramos.