
O escritor Mário Cláudio (pseudónimo literário assumido por Rui Manuel Pinto Barbot Costa) completa em 6 de novembro 78 anos, uma bonita idade para a continuidade da criação literária. Na quarta feira 18 de setembro, no contexto dos encontros relacionados com a Feira do livro do Porto, realizou-se uma “Homenagem a Mário Cláudio nos 50 anos da sua vida literária”.
Por M. Correia Fernandes
O espaço escolhido tinha também algo de simbólico: a capela existente no final da avenida das tílias daquele espaço do Palácio de Cristal (onde aliás o autor foi já homenageado com a aposição do seu nome a uma das tílias), capela que recorda a memória de Carlos Alberto, o príncipe italiano, rei do Piemonte e da Sardenha, destronado em 1849 e que se instalou no Porto, deixando também a sua marca na cidade.
A homenagem assumiu a dimensão de uma retrospetiva da sua vida e obra, a partir do livrinho de 109 páginas, neste ano publicado pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, da autoria de Martinho Soares, integrado no conjunto publicado por aquela editora com a designação “O essencial sobre…”
A sessão contou com a presença do atual Diretor Editorial, Duarte Azinheira, que salientou a relevância deste tipo de publicações breves (à volta de 100 páginas) da Imprensa Nacional, a preço módico (“pouco mais que um maço de tabaco”, afirmou) que permite um conhecimento rápido de autores centrais da literatura portuguesa (lembramos que entre os títulos se encontram abordagens de Fernando Pessoa, Cesário Verde, José Régio, Raúl Brandão, Oliveira Martins, José Saramago, Padre António Vieira, e tantos outros) além de figuras e temáticas da literatura e da cultura universal, tendo sido publicadas até agora 136 títulos).
O volume foi apresentado por Ana Paula Arnot, da Universidade de Coimbra, e o autor, Martinho Soares, apresentou longamente o conteúdo do trabalho sobre Mário Cláudio, desde a sua origem, tempo de formação (formado em Direito, foi oficial em serviço militar na Guiné, depois na Universidade de Londres), acentuando a sua atividade progressivamente voltada para a escrita. Aliás a experiência profissional, o relacionamento com escritores como Eugénio de Andrade com quem trabalhou, e sobretudo a profusão de conhecimento que lhe advém da abundância bibliográfica da biblioteca familiar, motivam a progressiva orientação da sua escrita, a partir da poesia (“Ciclo de Cypris”, 1969) para duas dimensões complementares: a narrativa e a ficção histórica.
Uma das suas obras primeiras que logo chamou a atenção de leitores e críticos foi “Um verão assim” (1974), saudado por críticos e outros escritores como uma narrativa de rara originalidade, como asseguravam David Mourão Ferreira ou Jorge de Sena. Arnaldo Saraiva, da Universidade do Porto, num texto intitulado “Um texto assim”, acentuava a filiação nos grandes autores universais de então e a sua aproximação ao estilo do “nouveau roman” francês então em voga. O próprio Eduardo Lourenço salienta o vigor simbólico e metafórico da sua escrita. E a visão deles veio a confirmar-se longamente.
A ficção de Mário Cláudio orienta-se depois em sentidos diversos, embora complementares: a biografia interpretada, começando em Amadeo de Souza-Cardoso, depois Guilhermina Suggia, depois Rosa Ramalho, uma trilogia designada “trilogia da mão” (a mãos que pinta, a mão que toca, a mão que molda o barro). Aqui se mescam criativamente a identidade e história pessoal e a capacidade ficcional e interpretativa. Por isso importa citar as palavras doa autor: “Considero-me um historiador de biografias secretas ou de biografias possíveis. Mais um historiador de vidas, vidas romanceadas do que um biógrafo”.
A quando da publicação de “A Quinta da virtudes” (1990), escrevia neste semanário, sob o título “As virtudes de Mário Cláudio”, um texto em que referia “a riqueza da escrita do autor, que balança elegantemente entre o modelo garrettiano ou queirosiano, numa adjetivação tanto profusa quanto criativa, visualizador, intimista, impressionista, que surge inesperadamente misturada com um estilo moderno, de grande riqueza vocabular… onde cada palavra ganha um valor acrescido”. E acrescentava “O romance constitui assim uma bela reconstrução histórica… O romance de pendor histórico ganha um novo e vigoroso alento”.
Mal sabíamos nós nessa altura que esta dimensão da escritura de pendor histórico do autor iria assumir foros de característica assumida e distintiva da sua arte da palavra. Que o levou a uma profusão de títulos hoje indispensáveis na apreciação da literatura a portuguesa.
Para esta referência de passagem a Mário Cláudio convém registar mais duas coisas: algumas das suas últimas obras, como a autobiografia interpretada em “Astronomia” (2015), as narrativas de pendor histórico como “As Batalhas do Caia” (1995) ou “Peregrinação de
Barnabé das Índias” (1998) e “Tocata para dois clarins” (1992), em que recorda Camões, como em “Os Naufrágios de Camões” (2016), e a narrativa quase policial “Ursamaior” (2000), ou a biografia imaginária de “Tiago Veiga” (2011). “Todas as biografias são ficção. Todos os romances têm biografias dentro de si”, escreve.
Das referências da sua obra se pode deduzir a invulgar amplitude do universo da ficção de Mário Cláudio, que tem continuado num permanente trabalho de reflexão sobre a história, sobre as suas figuras e sobretudo sobre a complexidade das reações tão contraditórias da pessoa humana. Nela se encontram o signo de Camões e de Pessoa, ao lado das vidas pessoais e da reconstrução ou desconstrução da história.
Na sua reflexão pessoal no final do encontro, por entre o reconhecimento pela atenção dada a toda a sua obra, Mário Cláudio refletia sobre o sentido da vida e da morte, e anunciava para breve a publicação de uma novo trabalho neste ano em que se lembra S. João da Cruz. Recentemente (2013) Mário Cláudio escreveu um texto sobre e “Via Crucis” da capela do Hospital de S. João, sobre imagens de Avelino Leite.
Que nos reserva o próximo texto de Mário Cláudio?