Já lá vão mais de dez semanas sobre o início da crise social e política que atingiu Hong Kong, uma crise que, pelo menos aparentemente, ainda está longe de ter chegado ao fim. Trata-se de uma crise que começou com a aprovação da chamada lei de extradição, uma lei que, à partida, permitiria às autoridades de Pequim controlar o sistema judicial que, vigora em Hong Kong, mesmo depois da entrega, em 1997, daquela antiga colónia britânica à soberania da República Popular da China. Esta concessão das autoridades chinesas, aquando das conversações que levaram à transferência da soberania de Hong Kong foi certamente um dos motivos que justificaram a célebre expressão “um país, dos sistemas” que, logo de seguida, também se aplicaria a Macau.
Com o regresso destes antigos territórios à sua soberania, Pequim alcançava pacificamente uma vitória política que até lhe permitia alguma transigência nas negociações de outros problemas, como por exemplo os que diziam respeito ao sistema judicial. Além do mais, essa política de aparente compreensão contentaria uma parte significativa dos seis milhões de habitantes de Hong Kong, habituados como estavam a um sistema que não tinha nada a ver com a filosofia política da República Popular da China. Entre esses problemas estava o que foi despoletado por uma nova lei que mexia com a administração da Justiça. Não obstante a autonomia de que Hong Kong continuou a usufruir nesta matéria, a nova lei acabou por ser aprovada pelo governo da região administrativa e obrigava à transferência dos casos de Justiça para o âmbito do governo central. Teve início então um movimento de rejeição popular que conseguiu juntar em protesto multidões que, durante vários dias e ainda agora, encheram ruas e praças da mais rica e famosa cidade da Ásia.
A política chinesa é historicamente conhecida pelo culto da paciência, característica que tudo indicava seria aplicada na gestão desta crise. Só que os cidadãos de Hong Kong também demonstraram uma capacidade reivindicativa pelo menos igual e não deram sinais de desistir dos seus protestos contra a aplicação de uma nova lei que lhes retirava o direito à política judicial que vinha do tempo da administração britânica. E deram provas de tamanho apego a essa lei que a governadora da cidade acabou por desistir da sua aplicação.
Foi uma derrota política contra a qual as autoridades de Pequim se tinham acautelado, já que a nova lei acabou por ser aprovada pelo governo daquela região administrativa especial. Apesar desta cautela, as autoridades de Pequim sofreram uma inegável derrota política.