Gratidão: um testemunho sobre D. António Francisco

Foto: João Lopes Cardoso

No 2º aniversário (11 de setembro) da morte de D. António Francisco dos Santos, bispo do Porto de 2014 a 2017, propomos um testemunho de alguém que com ele viveu e trabalhou quotidianamente. O padre José Pedro Azevedo foi seu chefe de gabinete e recorda a figura de D. António neste texto que aqui publicamos.

Nós não somos nada sem a memória do tempo, aliás arriscamo-nos a deixar de existir, se dela prescindirmos. Somos hoje o que os outros nos deixaram como legado e é com a memória que construímos o futuro. Memória grata de que sabe de onde vem e para onde vai.

Diz Zacarias: «Assim fala o Senhor do Universo: Virão de novo a Jerusalém povos e habitantes de grandes cidades.» I Zac 8, 20

Estou absolutamente convencido de que estas palavras do livro de Zacarias, proféticas e carregadas de esperança, se concretizarão no Porto, pela semente lançada à terra em tempo oportuno por D. António Francisco dos Santos. A sociedade portuense reconhece-lhe isso, crentes e menos crentes, todos.

Nenhuma vida surge ao acaso, mas claramente em D. António Francisco esta verdade era evidente, realmente presente e tocou o coração de todos os que com ele se encontraram. Atingiu profundamente o meu coração como uma «seta que voa de dia» (Sl91,5) e alargou-o à medida maior da dor e do amor, porque todos nós precisamos de sinais para chegar a Jerusalém, à cidade santa, à Casa de Deus. Todos precisamos de quem nos dê a direção e aplane o caminho. Isto só acontece na simplicidade e na humildade que Jesus um dia referiu em relação às crianças.

D. António Francisco foi um cristão que não defraudou a quem procura o Senhor. Uma pessoa rara que passa na nossa vida e nos deixa o odor da santidade. É assim que olho para o Senhor D. António. Existem poucas pessoas assim, por isso quando elas passam por nós há qualquer coisa que nos desafia e fascina.

Quero partilhar, neste texto, três traços da sua vida, que me comoveram sempre e que agora me movem à conversão:

  1. Era um crente. Toda a sua vida partia de Deus e acabava em Deus. Não havia uma saída de casa que não começasse na capela e não havia uma chegada a casa que não passasse pela capela. Não havia uma única preocupação que não colocasse debaixo do manto protetor de Nossa Senhora (tantos papelinhos naquela Imagem!). A oração era sempre o seu combustível e era a sua única força, tinha sempre esta frase na boca e no coração: «Reza como se tudo dependesse de Deus, mas trabalha como se tudo dependesse de ti» (Santo Inácio de Loyola).
  2. Era uma testemunha incansável do amor de Deus. As visitas aos hospitais da cidade e da Diocese eram quase diárias. Não havia ninguém doente e que ele soubesse, a ficar por visitar, mesmo nos dias mais difíceis, nem que para isso tivesse de não jantar. E como era belo vê-lo a olhar e a tocar no doente que visitava! Esse momento era transfigurador, porque o seu olhar curava.
  3. Era um homem bom. Tinha um coração como o coração de Jesus, onde todos cabiam e onde ninguém, mas mesmo ninguém podia ficar de fora. Queria acolher todos, mesmo nas diferenças e queria salvar todos. Por isso lutava todos os dias para que a única medida fosse a misericórdia, sempre e em todas as circunstâncias. Toda a sua a vida foi um magnífico compêndio duma teologia da bondade. Valia a pena estudá-la.

A Oração, a Caridade e a Bondade são imprescindíveis para todo o cristão, a chave para continuarmos a subir a Jerusalém, caminho da Cruz e porta da Ressurreição e para cumprirmos o testamento que D. António Francisco em Fátima nos deixou: «Igreja do Porto: Vive esta hora, que te chama, guiada pelas mãos de Maria, a ir ao encontro de Cristo e a partir de Cristo a anunciar com renovado vigor e acrescido encanto a beleza da fé e a alegria do Evangelho. Viver em Igreja esta paixão evangelizadora é a nossa missão. A vossa e a minha missão!»

Continuaremos a viver esta paixão pela nossa Diocese, fiéis ao que nos deixou, em unidade ao essencial do que é ser Igreja e ser Igreja do Porto e no Porto, com um coração grato por todos e por cada um que pela nossa vida passa.

Passam dois anos do fim da sua santa viagem, mas a sua vida não terminou, porque não cabe no tempo e enquanto não nos virmos rezo como o salmista: «Ensina-nos a contar assim os nossos dias, para chegarmos à sabedoria do coração» (Sl 89,12).

(texto da autoria do padre José Pedro Azevedo, Chefe do Gabinete Episcopal da diocese do Porto de 2014 a 2019)