
Para memória de um cientista e construtor da história da diocese do Porto.
Atendendo à importância do arquivo pessoal de D. Domingos de Pinho Brandão para a História da Igreja do Porto e do Seminário Maior, onde foi Reitor, e para proporcionar o acesso mais amplo a outros investigadores e estudiosos, achamos que esse acervo que nos foi legado por vontade testamentária, não podia continuar encerrado em caixas.
Manuel Joaquim Moreira da Rocha
Professor de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Por questões de ética profissional, julgámos fundamental doar o Arquivo pessoal para guarda da Instituição onde viveu, trabalhou apaixonadamente e deixou parte do seu sonho que ainda permanece visível no interior do Seminário Maior do Porto.
O processo iniciou-se no ano 2015 com anterior Reitor António Augusto de Oliveira Azevedo e, posteriormente, Bispo Auxiliar do Porto e actualmente Bispo de Vila Real, e tem continuado com a dedicação do actual Reitor do Seminário Maior do Porto, o Cónego José Alfredo Ferreira da Costa.
No ano seguinte, em sessão pública, foi assinado no dia 6 de setembro um Protocolo de Colaboração científica institucional, entre a Faculdade de Letras da Universidade do Porto e o Seminário Maior, autenticado pelo Reitor do Seminário, Cónego José Alfredo e pela Diretora da Faculdade de Letras, Professora Doutora Fernanda Ribeiro. Sem qualquer encargo financeiro para o Seminário, a Diretora da FLUP, especialista na Gestão e Organização de Arquivos, comprometeu-se a coordenar cientificamente o projeto em situação pro bono. Naturalmente, o Seminário tem tido alguns encargos financeiros subjacentes, mas para a dimensão do trabalho e significado social e cultural do mesmo são “simples migalhas”. A sessão foi presidida pelo Bispo Auxiliar do Porto D. António Augusto Azevedo.
Estão terminadas as duas primeiras fases, e inicia-se a última. No próximo ano celebra-se o centésimo aniversário do nascimento de D. Domingos de Pinho Brandão. Boa altura para terminar o projeto e proceder à sua disponibilização e acesso através das ferramentas actuais.
Entretanto foi inaugurada no dia 23 de Junho de 2018, no Museu de Arte Sacra e Arqueologia do Seminário Maior do Porto, a Sala do Fundador, em sessão pública que contou com a presença do Bispo do Porto, D. Manuel Linda, da Diretora da Faculdade de Letras, Professora Fernanda Ribeiro, e do Reitor do Seminário, o Cónego José Alfredo na qual se assinalou o término da primeira fase do Projeto de Classificação e Tratamento do Arquivo Pessoal de D. Domingos de Pinho Brandão. Foi, mais uma vez, salientada, a pertinência e atualidade do projeto em curso.
Antes de apresentar sumariamente os passos principais da segunda fase, convém recordar sinteticamente quem foi D. Domingos de Pinho Brandão, para se entender o significado do fundo documental e do projeto, prestigiante, que a Igreja/Seminário Maior do Porto, em boa hora resolveu levar a cabo.
No início dos anos quarenta do século passado, o diácono Domingos de Pinho Brandão prosseguiu a sua formação como eclesiástico do Porto na cidade de Roma. No ano de 1943 assumiu o seu desígnio como padre católico, na Basílica romana de S. João de Latrão.
De regresso a Portugal e antes de assumir os novos desafios na Diocese do Porto, foi pároco na Igreja de Santa Maria de Rossas de Arouca, a sua Terra Natal.
Reconhecendo o seu espírito esclarecido e progressista foi nomeado pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, para dirigir, na qualidade de Reitor, o Seminário Maior do Porto.
Anos mais tarde, já na década de oitenta do séculos XX, e em tempo de homenagens, a propósito do caráter e do trabalho realizado por D. Domingos de Pinho Brandão, o seu Bispo – D. António Ferreira Gomes- escreveu um breve e texto na Revista LVCERNA, destacando o caráter singular do Reitor do Seminário Maior e do Bispo Auxiliar da Igreja do Porto, numa frase simples porém grande acutilância: “the right man in the right place”.
Em muitos e variados campos da Fé e da Ciência Domingos de Pinho Brandão contribuiu de forma afirmativa e factual para a construção da Diocese do Porto pela dignificação do papel social e cultural da Igreja do Porto. A missão que assumiu em Roma no ano de 1943, quando afirmou a sua vontade de se tornar sacerdote, realizou-a da forma mais exigente, conciliando a sua fé inabalável com a busca fundamentada no Conhecimento. Foi um exímio Formador em escolas públicas e privadas do Porto que continua ainda a ser lembrado pelos alunos que ensinou.
Apesar do papel ativo que desempenhou no Centro de Estudos Humanísticos, que contribuiu de forma indelével para a “refundação” da Faculdade de Letras na Universidade do Porto, onde lecionou matérias das quais possuía pleno domínio científico, quando foi chamado para o desempenho de funções eclesiásticas não esqueceu a sua missão como sacerdote.
O melhor de si colocou-o sempre ao serviço da sua missão, assumida na igreja de S. João de Latrão, que foi a formação dos futuros padres e a orientação pastoral da sua Diocese. É neste patamar que deve ser entendido o seu hercúleo trabalho para fundar nos anos cinquenta do século passado um Museu de Arte Sacra e Arqueologia no Seminário Maior do Porto, com objetos que esclarecessem o sentido da História da Diocese do Porto. Aferido pelas mais avançadas metodologias europeias e para desbravar factualmente o sentido da História da sua diocese, criou condições para que os seus “alunos e seminaristas” experimentassem os resultados concretos que se podiam apurar através da prospeção e das escavações arqueológicas realizadas com critérios científicos.
Para a História da Diocese do Porto deixou dezenas de estudos que permanecem como referência de investigação na produção do Conhecimento, onde se destaca pela dimensão do projeto a Obra de Talha Dourada, Ensamblagem e Pintura na Cidade e na Diocese do Porto, obra composta por quatro volumes e mais de duas mil e quinhentas páginas, e centenas de fotografias, que constitui uma “base de dados” sobre a temática, elaborada segundo o método tradicional. Como obra fundamental, é obrigatória para os investigadores que se querem abalançar nesse alargado campo do saber da arte que povoa ainda muitos dos locais de culto da Diocese do Porto.
Da sua craveira como construtor das ciências das humanidades o melhor relato permanece nos mais de 230 títulos de estudos que realizou entre 1941 e 1988 (ano da sua morte) e que estão publicados em livros e revistas científicas da especialidade cujo levantamento “aproximado” dos títulos da sua produção se encontra recolhido na pequena brochura intitulada D. Domingos de Pinho Brandão – Homem, Sacerdote, Bispo, Professor, Investigador que publicada no ano de 2015, aquando da inauguração da Biblioteca Memorial no Mosteiro de Santa Maria de Arouca. Apesar do contratempo da doença crónica que o reteve, durante anos, três longas tardes por semana no Hospital de Santo António, e onde veio a falecer no dia 22 de Agosto de 1988, não se escudou na contingência factual da doença. Mesmo esse tempo que passava no hospital para cuidar da sua saúde foi aproveitado para continuar a trabalhar, para concretizar projetos de investigação em curso, resolver processos da Cúria Diocesana do Porto, e para meditar profundamente através da oração. Reunimos muitas vezes, com máscaras e vestes apropriadas para evitar contaminações, na sala de isolamento do Serviço de Nefrologia do Hospital de Santo António, para dar andamento aos múltiplos trabalhos e projetos do seu quotidiano e que continuava a sobrepor à falência física da saúde.
Na celebração do Ano Mariano na Diocese do Porto, que teve lugar entre Junho de 1987 e Agosto de 1988, Domingos de Pinho Brandão preparou o catálogo intitulado Algumas das mais preciosas e belas imagens da Nossa Senhora existentes na Diocese do Porto. A obra, publicada pela Diocese do Porto, reúne as representações de Nossa Senhora através da seleção do melhor que sobre essa temática permanece nas igrejas, capelas, e museus da Diocese e das quais o autor possuía conhecimento direto pelo estudo, análise e apreciação que realizara, durante anos, nas suas deslocações aos centros de culto existentes em Território da Diocese do Porto, nas Vigararias como nas paróquias e nas aldeias. Representações em pintura ou iluminura, como em escultura pétrea, granítica ou calcária, ou de madeira, realizada em matérias primas mais ou menos nobres, onde se incluem também o barro, a cerâmica, o vidro, o alabastro e a prata. Domingos de Pinho Brandão, como “conhecedor de campo” da Diocese do Porto e como especialista na arte sacra fez uma seleção que foi publicada em formato Livro. Neste derradeiro projeto colaboraram o Arquiteto Fernando Lanhas, Manuel Joaquim Moreira da Rocha, como estagiário e formando universitário, e o grande mestre da fotografia portuense Teófilo Rego. A morte surpreendeu-o antes de ver concluído o projeto, que a propósito do tema lançado pelo Vaticano no ano de 1987, permitiu apresentar ao público o melhor da produção artística temática e iconográfica das representações de Nossa Senhora que ainda permaneciam na Diocese do Porto.
Da sua lealdade que objetivamente se manifestou em inúmeros campos do seu quotidiano, recordo e saliento a relação incondicional que dedicou a D. António Ferreira Gomes, ao Bispo da sua Diocese, honrando a missão que voluntariamente assumiu. São eloquentes as cartas que trocou com D. António Ferreira Gomes, quando o seu bispo estava em exílio político. Mesmo em tempo de apertado cerco político à figura do Bispo do Porto, não se coibiu de manter uma presença continuada ao lado do seu Bispo, tanto através da correspondência, como presencial. Não será por acaso que seu nome consta dos Arquivos da Pide, Arquivo que pode ser consultado online, ou no Arquivo Nacional Torre do Tombo (Lisboa).
Domingos de Pinho Brandão foi um dinâmico construtor. As suas reflexões mais profundas sobre as multifunções que realizava em cada dia do seu quotidiano, como Homem da Igreja, da Cultura e da Ciência, estão plasmadas em dezenas de Agendas/Diário e em vários textos poéticos.
Para terminar este introito saliento dois factos do desempenho da sua missão como sacerdote da Diocese do Porto: o primeiro, a fundação do Museu de Arte Sacra e Arqueologia do Seminário Maior do Porto, e o segundo, a Memória do Mestre que ainda permanece nos alunos que ajudou a formar como homens em colégios, em liceus, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e acima de tudo, no Seminário Maior do Porto, onde desempenhou o papel de Reitor, por nomeação do seu Bispo do Porto.
O Museu de Arte Sacra e Arqueologia, fundado por D. Domingos no Seminário Maior do Porto, situado no extinto Colégio Jesuítico de S. Lourenço, nos anos cinquenta do século passado, permanece, após várias adequações do programa expositivo inicial, como um traço maior do seu sentido “visionário” como formador e pedagogo e um exemplo, nos tempos atuais de globalização, da formação para a sensibilidade à cultura e ao património.
Reportando-se ao desempenho de Domingos de Pinho Brandão ao serviço da Diocese do Porto, foram merecidas e justificadas as palavras que D. António Ferreira Gomes escreveu no livro de Homenagem a D. Domingos de Pinho Brandão publicado no ano de 1984, que faço questão de repetir: “the right man in the right place”.
Antes de o nomear para o cargo de Reitor do Seminário Maior do Porto, o Bispo do Porto reconheceu em Domingos de Pinho Brandão um caráter firme e transparente, e uma “inteligência lúcida, dúctil e activa”. A opção de D. António Ferreira Gomes foi cumprida e excedida pela atuação posterior de Domingos de Pinho Brandão, como Reitor do Seminário Maior do Porto, e depois como Bispo auxiliar de Leiria e por último, como Bispo Auxiliar da Diocese do Porto.