“Espiritual sim, religioso não”

“Não excluo um acontecimento espiritual à escala planetária”

André Malraux

O desconhecido que está para além da morte ocupa e preocupa a vida de muita gente, e outra gente há para quem isso não tem significado nenhum.

Por Ernesto Campos

Há quem tenham medo do Além lembrando-se dos Novíssimos do Homem “Morte, Juízo, Inferno, Paraiso” e reze o ato de atrição com pesar por ter ofendido a Deus e temer o castigo eterno. Afinal o ato de atrição já nem consta do compêndio do Catecismo da Igreja Católica,  porque o discurso do tempo que nos é dado para viver mais apela à esperança do que ao temor.

Entre os extremos do medo do Além e a “presunção de se salvar sem merecimento”, os dados objetivos de uma sondagem realizada recentemente na Alemanha revelam que 52% dos inquiridos acredita em Deus mas só 22% se declara religioso e comprometido com alguma instituição religiosa; numa palavra, “espiritual sim, religioso não” é a resposta `maioritária a pergunta-chave da sondagem. Quer dizer, uma vaga crença em Deus mas apenas implicando alguns valores quanto à educação dos filhos, à família, à solidariedade, quando muito, e sem vínculo ou compromisso religioso nem aceitação de ritos e muito menos qualquer referência à eternidade ou ao sentido último da vida . Razões invocadas, autonomia pessoal, autenticidade, liberdade interior.

Noutra linha de atitude religiosa há quem se deixe seduzir por doutrinas esotéricas e pelo fascínio de místicas orientais para preencher o vazio e superar a pífia materialidade degradante do quotidiano vivido na racionalidade da civilização ocidental. Outros ainda, entre o simplista e o simplório, ou se deixam manipular nas seitas que prometem o remédio para todos os males ou. não se coíbem de proclamar que o século XXI “é pós-cristão, pós-católico e pós-religioso; pela cultura é que vamos, não pela religião”

Chama-se a tudo isto espiritualidade. A palavra tem sido usada desde o século IV no contexto do cristianismo no sentido de conformar a vida com a ação do Espírito Santo em ordem à santificação. Ainda hoje algumas enciclopédias definem assim a espiritualidade ,mas os tempos de hoje deram à palavra outra dimensão que transcende o religioso. A Organização Mundial de Saúde define espiritualidade como “o conjunto de todas as emoções e convivções de natureza não material, com a suposição de que no viver humano há algo mais do que aquilo que pode ser percebido ou plenamente compreendido, remetendo a questões como o significado e o sentido da vida, não se limitando a qualquer tipo específico de crença ou prática religiosa”.

Atribui-se ainda a André Malraux, além da citação acima,   também a intuição de que o século XXI será religioso ou pura e simplesmente não será. Por apócrifa que seja esta espécie de profecia, dir-se-ia que ela corresponde a uma esperança. Para aqueles que, com mais ou menos reta intenção, se desiludiram das igrejas institucionais e buscam a vida interior em abundância, uma esperança; não como o filósofo que, à falta de evidência racional religiosa, se resigna a viver a fé em que foi criado, mas esperança para os que na fé religiosa buscam o  sentido espiritual da vida e, aí, a verdade da existência.