Venezuela: direitos humanos e cegueira ideológica

Nos últimos anos, a Venezuela ocupou, frequentemente, um lugar cimeiro nos noticiários de âmbito internacional. Mais recentemente, e porque a situação social e política daquele país não dava sinais de qualquer mudança significativa, esse tema foi perdendo importância, acabando por ser relegado para um espaço menor nos grandes órgãos de comunicação social. Há dias no entanto, aquele país voltou a motivar títulos destacados nos jornais de alguns países, nomeadamente nos de língua espanhola.

Por António José da Silva

Na origem desta mudança de perspectiva mediática, não esteve qualquer alteração profunda no mapa político daquele país. Nem o regime liderado por Nicolas Maduro deu qualquer sinal de alteração na sua política ideológica e económica, nem a oposição foi capaz de superar definitivamente as suas divisões internas, unindo-se definitivamente à volta do autoproclamado presidente Juan Guaidó. Apesar do apoio inicial de um número significativo de países, este ainda não conseguiu convencer a maioria dos governos, da legalidade e da legitimidade da sua proclamação. O crescimento substancial desse apoio daria certamente uma força muito maior a quantos esperam e lutam por uma profunda alteração do regime venezuelano.

Aquilo que trouxe algo de novo ao acompanhamento mediático da situação social e política da Venezuela foi o “Relatório Bachelet”, que assim podemos chamar, porque leva o nome de uma mulher de grande prestígio internacional, ou não tivesse sido presidente do Chile em dois mandatos e não ocupasse actualmente o cargo de Alta Comissaria da Nações Unidas para os Direitos Humanos. Foi aliás no exercício destas funções que ela se deslocou à Venezuela para testemunhar “in loco” a situação do respeito pelos direitos humanos naquele país. Ora, o resultado desta observação directa não poderia ter sido ser mais negativo para o regime de Nicolas Maduro. O relatório elaborado por Michele Bachelet sobre esta matéria chega a ser chocante, tendo merecido por isso o relevo que alguns jornais da vizinha Espanha lhe concederam, o que não aconteceu, por exemplo com uma parte significativa dos “media” portugueses.

A actual responsável pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos destaca, no seu relatório, o uso e o abuso da tortura por parte dos chamados serviços secretos, militares e civis, sobre os opositores do regime, encarcerados em grande número, a pretexto da chamada segurança do estado. Trata-se de prisioneiros políticos, por mais que este termo custe aos fanáticos seguidores de Maduro.

Neste cenário de cegueira ideológica, uma coisa parece certa: nem o relatório de Bachelet, cuja história pessoal e política é inatacável, conseguirá convencê-los do contrário.