Editorial: Desde a valeta de Jericó

A parábola do homem caído na valeta de Jericó, que foi proclamada no último domingo nas liturgias, pode dar-nos alguma luz sobre grandes problemas de atualidade como sejam as quotas para minorias étnicas ou a admissão de refugiados ou o cuidado dos pobres.

Por Jorge Teixeira da Cunha

Esse passo do Evangelho lança as bases de um ética social diferente, para lá da razão comum do passado e do presente. Esta tenta justificar a proximidade humana ora na confiança, ora na desconfiança do outro, ora no dever abstracto, ora mesmo no medo de que, se não fizermos nada, o barco em que estamos embarcados possa naufragar e não se salve ninguém. Ora o texto da parábola inaugura uma ética que tem o seu começo no encontro entre dois seres humanos, para lá de quaisquer ideias. Um está caído na valeta da vida; outro é um excluído em sentido moral. A ética social começa na empatia entre estes dois seres humanos caídos. Talvez a empatia humana apenas seja possível em tais estranhas circunstâncias.

De facto, o texto mostra que os seres humanos integrados na sociedade, com a sua ética e as suas leis, como é o caso do sacerdote e do levita, se encontram em circunstâncias que os impedem de viver esta empatia. Ou seja, se se inclinassem para o moribundo, incorriam no incumprimento da deontologia sacerdotal e na lei que, em tal caso, os impedia de exercer a função no Templo de Jerusalém, para onde se dirigiam em missão. É este o sentido em que a lei mata, pois é inimiga da vida.

Não vamos ir mais longe neste comentário de um texto bíblico, com o risco de incorrer na ira dos biblistas, a quem prestamos vénia. Mas dizemos ainda que Jesus não tem medo de se identificar com o samaritano da parábola, o tal caracterizado pela sua miséria moral. Dizemos ainda que o centro desta história é o homem caído a quem é dito que, uma vez levantado, faça o que fez e como fez o samaritano.

A esta luz, vemos como anda necessitada de luz a nossa ética social de hoje, a respeito de minorias, de refugiados e de outros problemas que o nosso tempo tem de enfrentar. De um modo geral, as pessoas integradas da sociedade, aquelas que controlam a cultura, inclinam-se paternalisticamente sobre os outros que lhes parecem necessitados de voz e de vez, dando-lhes lugares na universidade, quotas no parlamento, quotas de imigração e assim por diante. Ora, toda esta boa vontade é claramente desfocada e insuficiente, se antes não houver o cair em si que torna moral o ser humano, caído na valetas da vida, pois essa advertência é que o torna comunicante com o outro. Só sobre a empatia é possível o diálogo de culturas e a convivência cívica plural.

Este é também o caminho da evangelização. À imagem do Bom Samaritano da humanidade, não se trata de ir ao encontro do que anda perdido para o trazer ao bom caminho religioso e moral. Isso, pelo menos não é o ponto de partida. Trata-se, pelo contrário, de descobrir os valores do outro, as suas motivações e de muito discretamente pronunciar o nome do divino iniciador do mundo à vida e aos seus valores. Esse iniciador é Cristo.