
Diz o Evangelho que a um homem foi lançado o repto de seguir o Mestre. Mas ele, com toda a lógica humana, pediu para adiar o convite, pois teria de cuidar da família (Lc 9, 59-60). Usou mesmo a expressão: “Deixa que, primeiro, vá enterrar meu pai”. A partir do verbo usado, obteve de Jesus a conhecida admoestação: “Deixa que os mortos sepultem os seus mortos”.
Para Jesus, a liberdade interior e exterior é a primeira condição do seguimento. Deixar tudo o que possa constituir-se «empecilho» para a missão é a base sem a qual nada de grandioso se pode edificar. Por isso, parece radical: “Vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres. Depois, vem e segue-me” (Mt. 19, 21).
Jesus não é um dualista ou um simples asceta: não vê as coisas como más, contrapostas ao «mundo da luz». Não prega o «abandono do mundo», Ele que comeu e bebeu, foi aos casamentos e às festas e não recusou a receção apoteótica do dia de ramos. Mas insiste na perfeita liberdade: “O que quer ser meu discípulo, renegue-se a si mesmo” (Mc 8, 34). E o verbo «renegar», em contexto bíblico, indica o abandono radical de todas as idolatrias, para pertencer só ao Senhor.
No renegar-se a si mesma e no seguimento, a pessoa vai encontrar outros que também com Jesus tecem a existência. Aposta n’Ele e, como resultado, insere-se na comunidade dos que sabem «conviver»: a comunidade vertical, do discípulo com o Mestre, funda e precede a comunidade horizontal, dos discípulos entre si.
Deste modo, no início do dado cristão não está a «salvação» pessoal, mas a missão universal. A «razão» não se encontra na vida de cada um ou na sua «autoridade», manias e fobias. Mas sim na liberdade e na alegria do serviço aos outros, prioridade lógica e axiológica do discípulo vocacionado.
Importa, pois, que «os chamados» se interroguem: os bispos em que se distinguem dos senhores feudais; os sacerdotes se são servos ou tiranetes; os diáconos a quem servem e se servem; os leigos se são discípulos do Senhor que veio “não para ser servido, mas para servir” (Mt 20, 28). Até para que nenhum de nós faça a figura ridícula do menino birrento que grita somente para vincar o seu «quero, posso e mando».
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