Nos nossos dias, quando se quer falar de modelos ou de experiências civilizacionais, não raro se acorre aos modelos dos Estados Unidos da América: trata-se da assunção de formas ou fórmulas de pensamento e de civilização pela via do predomínio económico: são as Universidades americanas, são as investigações americanas, são certos modelos de sociedade que por lá se geram ou se afirmam. Esta é uma limitação da nossa cultura atual: o que é mais visível é o que mais influencia a opinião pública, económica ou mediaticamente.
Por Manuel Correia Fernandes
Porém, as raízes dos grandes valores culturais do mundo ocidental, que devem continuar a ser luz para o mundo, devem buscar-se na Europa: aqui se encontram as raízes e os caules de muitas folhagens e frutos que noutros lados florescem. Devemos orgulhar-nos por isso, mesmo que nem sempre sejam conformes à árvore que os engendrou.
Entre os valores civilizacionais da Europa encontra-se a matriz cristã, que deveria constituir a referência essencial de uma consciência coletiva estruturalmente humana.
Esta reflexão é sugerida porque neste mês se recorda uma dessas referências civilizacionais: São Bento, celebrado a 11 de julho. Nos nossos dias perdeu-se um pouco a lembrança dos heróis, que deveriam tornar-se essa “referência essencial da consciência coletiva”, mesmo por entre toda a espécie de gangas civilizacionais que pululam por aí. Mas no nosso mundo de hoje há também homens e mulheres que nos interrogam sobre o sentido último da nossa condição humana. Temos a tendência superficial e malsã de confundir (aí está de novo a propaganda) um herói da sociedade com uma estrela mediática ou um ídolo. Ainda somos do tempo da predominância das “Stars” promovidas pelo cinema. Hoje as estrelas são as do mundo do desporto e do mundo da moda. Por isso são essencialmente efémeras. Esse carácter efémero do ídolo de hoje é um dos preocupantes sintomas da perda dos ideais da nossa civilização: substituímos o passageiro, o efémero, o vácuo pelo que deveria ser a raiz mais funda das nossas convicções mais sólidas.
A raiz de todo o heroísmo deve situar-se na trilogia humanista da “liberdade, igualdade, fraternidade”, a trilogia cristã que quando foi mal aplicada conduziu à violência e à barbárie. Por isso há quem proponha um “heroísmo democrático”, a saber, o que se coloca ao serviço da pessoa humana, da sua promoção espiritual, cultural, social. As práticas governamentais e as modas sociais devem honrar os seus heróis. O drama é o de saber como os escolher: os sábios, os pensadores, os benfeitores da humanidade pelo seu esforço, pensamento ou ação, pela sua força de criatividade, ou apenas pela fama passageira? Temos exemplos dos dois modelos. O mal é que se confundam. O grande herói tem de ser o que exercita o sentido mais fraterno da vida. Ou seja, o valor sublime da caridade cristã.
Para uma certa mentalidade moderna Jesus Cristo não seria consagrado como herói. A sua forma de heroísmo foi a simplicidade e a entrega. Por isso cultivou com os discípulos os valores da partilha por contraposição ao culto da glória ou da grandeza, reservando esta apenas para o Senhor Universal, que está acima de todos e em todos.
A grande linha de rumo que a Europa deve traçar para o mundo, a sua dinâmica civilizacional, em qualquer dos continentes deve ser a de semear o ideal definitivo do sentido espiritual da existência humana, contraposto ao culto do materialismo; do valor do serviço, contraposto ao do interesse e da busca do poder e do domínio; do valor da solidariedade social contraposto à acumulação de riqueza; do valor da justiça social contraposto ao exibicionismo dos poderosos.
É neste sentido que os valores da civilização europeia se podem tornar modelares para o mundo. E a prática da religiosidade nas várias civilizações que parece seduzir alguns sectores sociais deve constituir um veículo para que os nobres ideais da civilização nascida na Europa, superado que foi o Império Romano, se tornem para o mundo um paradigma de desenvolvimento humano a procurar seguir como modelo civilizacional.