As celebrações litúrgicas não são meras «cerimónias», ou espetáculo mais ou menos atrativo graças au talento e “performance” de bons intérpretes, ou a execução meticulosa de um protocolo com regras predefinidas…
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Algo de tudo isso até pode entrar e, eventualmente, ajudar na realização de uma obra que, sendo teândrica, isto é, divina e humana (mas em que o humano se ordena e subordina ao divino) tem de ser «incarnada» nos sinais sagrados do «rito» litúrgico. A ação sagrada em que Cristo se une à sua Esposa numa Aliança de Amor – ou, para dizer de outro modo, em que o Corpo místico de Jesus Cristo, Cabeça e membros atua conjuntamente na sinergia do Espírito – é primordialmente um «mistério» ou «sacramento» (em sentido paulino). Na Sagrada Liturgia, nesta ação teândrica de Cristo-Igreja, mediante os sinais sagrados assumidos da criação e da cultura, numa simbiose de palavra e ação, torna-se sacramentalmente presente a obra da redenção, isto é, todo o mistério de Cristo desde a incarnação à Parusia, culminando no sacrifício redentor da Sua Páscoa (que, pela participação sacramental, se torna também nossa) para a glória de Deus e santificação dos homens.
Quanto caminho ainda teremos de fazer para que esta grandiosa compreensão da Liturgia, que a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, fez sua no último Concílio (SC 7, 8…), seja também nossa, de todos os que vivemos na comunhão da Igreja una, santa, católica e apostólica?!
De quando em quando surgem-nos notícias, ora críticas, ora encomiásticas, quase sempre perplexas de ministros ordenados que agem como donos da Liturgia da Igreja. São, frequentemente (mas não exclusivamente), padres novos. Isso diz muito (e mal) da deficiente formação litúrgica, ministrada na nossa Faculdade de Teologia, gravemente secundarizada na reformulação curricular consequente à aplicação dos critérios de «Bolonha», não obstante a reclamação de alguns dos seus docentes. E os Seminários e Casas de formação não têm conseguido colmatar essa deficiência.
Como fruto dessa formação fragmentada e parcial, alguns cavalgam a onda da reação cultural e voltam-se para a forma litúrgica pré-conciliar, cujo uso foi liberalizado por Bento XVI, abrindo as portas a um chocante e perigoso relativismo litúrgico. Como se a recusa da reforma litúrgica resolvesse miraculosamente os problemas a que o Concílio Ecuménico quis responder, precisamente, com a reforma que se repudia. Outros, porventura apenas para dar alguma razão aos anteriores, num alarde de individualismo que não põe limites ao atrevimento da sua ignorância, descuram as vestes litúrgicas ou trocam-nas por outras de “melhor costureiro”, desligam-se das ataduras dos livros litúrgicos legitimamente aprovados – por vezes nem os usam! –, inventam preces e ritos em que o sentimentalismo, antropocentrismo, a busca do efeito e do aplauso fácil, as ideologias e modas culturais campeiam… Entre esses extremos situa-se uma ampla e medíocre maioria, que celebra a correr, sem estremecer perante o mistério sagrado com que trata, sem mística, num funcionalismo cultual a que está quase condenada pela multiplicação progressiva das missões que gravam sobre os seus ombros devido às conhecidas e crescentes carências no efetivo pastoral.
Que resposta para esta grave crise? Formação litúrgica!
E, entretanto, fazer um exercício de discernimento tendo em conta dois princípios maiores:
– A liturgia é ação de Cristo Sacerdote que associa sempre a si a sua Igreja – a Cabeça com o Corpo, o Esposo e a Esposa –. Não é o espaço para protagonismos, solismos, exibicionismos, subjetivismos; não precisa de atores especialmente talentosos mas de servos fiéis que aceitem dar corpo e voz à oração da Igreja que não vive de invenções inéditas mas da novidade do Espírito que faz inauditas todas as coisas.
– A Liturgia é culto divino e santificação dos homens. Não é para tributarmos homenagens uns aos outros, para nos aplaudirmos uns aos outros, para celebrarmos as nossas vidas que, no mistério litúrgico, são sempre convidadas a morrer e ser sepultadas com Cristo para com Ele também ressuscitarem para a vida nova do Espírito. Não é ato social, cerimonial cívico. Não pode ser mundana exibição de vaidades. O que não servir para dar glória a Deus e para a conversão e santificação dos homens está a mais. Tenhamos a lucidez e a coragem de o banir das nossas celebrações.