Iguais e diferentes

“Projeto de humanidade sem desigualdades de sexo”

Luisa Kubissa (Universidade Complutense de Madrid)

A expressão feminista citada em epígrafe só pode entender-se como querendo dizer humanidade sem preconceitos que descriminam o sexo do homem e da mulher, postulando implicitamente que um e outro existem e que qualquer descriminação é abominável.

Por Ernesto Campos

Aliás, a célebre fórmula de Simone de Beauvoir de que a mulher “não nasce, faz-se”, igualmente deve ser lida como significando que sobre a desigualdade anatómica cromossómica e hormonal se construiu uma cultura de “superioridade natural” baseada na força física com incidência social e até moral.

De facto, a definição de sexo masculino e feminino está inscrita nos cromossomas de um e de outra; e isso é incontornável porque biologicamente diferenciado, salvos os desvios que a natureza às vezes apresenta. Outra coisa é compreender a masculinidade e a feminilidade, isto é, o género; trata-se de categoria histórico-cultural que evolui no espaço e no tempo. Estruturação biológica e categoria cultural não se excluem e não se confundem. Neste nosso hoje, porém, acaba por se confundir uma coisa com a outra dando origem a aberrações contranatura. Em condições normais, o sexo é elemento estruturante da identidade. Como se mudam os tempos e as vontades, o estatuto e o papel da masculinidade e da feminilidade mudam ao longo da história, o sexo não; e não pode ser o género,na sua contingência a definir a identidade segundo o querer, a opção de cada um, como parece ser o propósito da ideologia de género.

É nesta linha que um documento do Vaticano vem agora definir orientações com o intuito de fazer luz sobre o brainstorming que se instalou em mentes menos informadas. Curiosamente, a ideologia de género transformou-se em hierarquia de género que, recusando – e bem – a dita “superioridade natural”, se incomoda, todavia, com coisas mesquinhas como dizer homem incluindo aí o masculino e o feminino; (o facto de também aqui se seguir esse hábito é como dizer ser humano). Não é daí que vem mal ao mundo; e só nos discursos de que se costuma dizer “minhas senhoras e meus senhores”. Mais pertinente é a ambição de poder que agita alguns setores da política. É expressivo o caso da senhora Ursula von der Leyen, que foi indicada para presidente da Comissão Europeia, certamente pelos méritos e competências que possui legitimamente. Mas foi ela, no seu percurso de democrata-cristã, que cuidou de que também nas empresas alemãs se estabelecessem quotas para um certo número de mulheres ocupar lugares de chefia; uma forma voluntarista de poder forçado como que a transformar a hierarquia da fingida superioridade masculina numa outra de supremacia feminina.

A revista Études (set. 2013), recusando radicalismos que negam a componente biológica da identidade, recomenda que “não se diabolizem as teorias de género”, que podem ser úteis para aprofundar o igual e o diferente do homem e da mulher. Tal como preconiza o documento do Vaticano que, ao contrário dos títulos de alguns jornais, não é contra os estudos de género, apenas aponta a via do diálogo sobre a “centralidade do corpo enquanto subjetividade” que fundamenta a identidade.