
Qual será a «missão» de um artista?
Na nossa linguagem do dia a dia, missão significa incumbência, tarefa que tem de ser desempenhada, dever que não se pode omitir. Por exemplo, uma mãe e um pai, pelo facto de o serem, recebem a sublime «missão» de acolher a vida gerada, de a educar, inserir no mundo e fazer crescer em autonomia e felicidade. E se o não fizessem, seriam maus pais.
A nível das grandes perspetivas sobre o homem, sua origem, sua forma de se cumprir e sua meta, qual será a grande «missão» dos agentes culturais humanistas contemporâneos, face a uma cultura habitualmente designada como «de massas» ou fragmentada, quando não a uma contracultura? Creio que é mais ou menos a de sempre: aceitar o desafio de identificar os elementos positivos que todas as culturas possuem e, como recomendava o Papa São João Paulo II, proceder a uma “íntima transformação dos autênticos valores culturais mediante a sua integração no cristianismo e a plena inserção do cristianismo nessa cultura”.
Ora, esta atividade, âmago e cerne da cultura, parece fácil, mas reclama uma pluralidade de fatores: identificação desses núcleos de valores; seu repensamento em ordem à inserção no xadrez ou tabuleiro das preocupações dominantes; e, fundamentalmente, uma linguagem plausível e significadora que os recetores entendam e por ela se deixem tocar.
O primeiro âmbito é típico do verdadeiro condutor social, que alguns dizem ser o «sacerdote»; o segundo, do filósofo; e o terceiro do poeta. Mas o processo de transmissão de uns aos outros corre o risco de se quebrar e se romper, como tubo de água que deixa de a conduzir: o filósofo pode não receber nas suas mãos a delegação do líder/sacerdote e este não saber comunicar a profundidade da essência das coisas, como faz o poeta.
É aqui que surge a mais valia do criador artístico. A sua sensibilidade polimórfica e a sua capacidade de perscrutar o «intimo dos íntimos» credencia-o como sacerdote, filósofo e poeta. Por uma misteriosa potência que não é dada a todos nós, torna-se habilitado a passar para o cinzel, para a pena ou para o pincel uma mensagem que, de outra forma, seria recusada ou menosprezada. A sua é a única linguagem que se assemelha à evangélica: duradoura, eficiente, performativa, libertadora e engrandecedora. Por isso, linguagem apreciada e geradora de vida.
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