A lenta superação da exclusão ministerial feminina na liturgia (III)

Dá que pensar o percurso que fizemos sobre a lenta superação da exclusão ministerial feminina do serviço litúrgico que os acólitos ministrantes são chamados a desempenhar bem perto do altar, cooperando com o ministério sacerdotal. Não deixa de ser curioso observar que tenham sido os canonistas – e não os teólogos – a remover essa discriminação (cf. Conselho Pontifício para a Interpretação dos Textos Legislativos, 30 de junho de 1992).

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

De facto, nestas matérias, os teólogos estão reféns de um problema de método que os leva a confundir tradições com «A Tradição», tornando-se meros repetidores, prisioneiros do que foi dito no passado, em contextos que já não são os nossos.

Outro problema metodológico da teologia dogmática dominante consiste no uso e abuso do argumento do silêncio. Como se fosse possível deduzir algo, em termos positivos, do que Jesus e os Apóstolos não disseram ou não fizeram… Assim, a partir do facto de Jesus não ter escolhido mulheres para o ministério dos Doze deduz-se a exclusão das mulheres de qualquer ministério hierárquico na Igreja, exclusão essa que estaria supostamente implícita na não escolha de Jesus… Será necessariamente assim? Pode, com segurança absoluta «dogmatizar-se» esta suposta vontade de exclusão elaborada a partir do silêncio de Jesus? Se do «silêncio» passarmos para o testemunho positivo do NT deparamo-nos com um Jesus de Nazaré alheio a qualquer misoginia o que, ao contrário da presunção desenvolvida a partir do «silêncio», poderá autorizar uma resposta inclusiva em novos contextos sociais e culturais.

É caso para dizer, parafraseando Jo 16, 12: os discípulos da primeira hora não podiam compreender todo o sentido e alcance da Revelação. Será o Espírito da Verdade a guiar a Igreja para a Verdade plena, permitindo-lhe compreender em profundidade e pôr em prática com fidelidade «tudo» o que Jesus lhe revelou. E não devemos pensar que a Igreja do séc. XXI esteja, neste ponto, em desvantagem em relação à Igreja dos séculos passados.

No encontro do Papa Francisco com as religiosas participantes na XXI Assembleia plenária da União Internacional das Superioras Gerais (10 de maio, p.p.), uma irmã avançou neste sentido com uma pergunta saudavelmente «atrevida»:

«Esperamos hoje encontrar a resposta à questão do papel das mulheres na Igreja não só sobre base histórica e dogmática. É certo que precisamos também destas fontes da revelação, mas precisamos também da força de Jesus, daquele modo com que Jesus tratou as mulheres. E que respostas podemos encontrar hoje, no século XXI, a estas perguntas? Peço-lhe, de coração, que continue a refletir sobre isto, no seio da comissão, para que não sejam consultadas apenas as fontes históricas e dogmáticas, mas procuremos compreender do que é que precisa a humanidade de hoje das mulheres, dos homens, de todo o povo de Deus».

O Papa deu-lhe razão: «É verdade o que a senhora diz. A Igreja não é só o Denzinger [nome do editor de um recolha de símbolos da fé e definições dogmáticas dos Papas e Concílios]. Isto é verdade. Mas a Igreja desenvolve-se no caminho da fidelidade à Revelação». E Francisco aproveitou para dar uma pequena lição sobre o desenvolvimento da Revelação: «nós, com o tempo, compreendemos melhor a fé. O modo de compreender a fé, hoje, após o Vaticano II, é diverso do de antes… E porquê? Porque há um desenvolvimento da consciência, e a senhora tem razão. E isto não é uma novidade, porque a própria natureza da Revelação está em movimento contínuo para se  esclarecer a si mesma». E exemplifica com a consciência moral e a evolução do posicionamento da Igreja em relação à pena de morte…

Temos, pois, – conclui o Papa – de «continuar a procurar na Revelação, a ver se há algo»… E, depois, «temos uma coisa mais: é o diálogo com o mundo em que vivemos. Um diálogo de experiências. E este diálogo com o mundo provoca situações novas, que requerem respostas novas, mas estas respostas devem estar em harmonia com a Revelação».