Preocupação em Bruxelas, satisfação em Moscovo

Entre as mudanças mais surpreendentes dos últimos tempos no mapa político e ideológico da Europa, sobressai o apoio que, pelo menos aparentemente, a Rússia vem concedendo aos movimentos populistas de direita que têm germinado em alguns países do velho continente.

Por António José da Silva

E dizemos movimentos populistas para não usar uma outra expressão, certamente mais incómoda para alguns, mas de certeza mais real e objectiva: a de partidos de extrema direita. Na verdade, se pensarmos na Rússia como a terra mãe do comunismo, e no modo como os seus dirigentes celebram ainda hoje aquilo que consideram a sua vitória sobre o fascismo, constitui um verdadeiro paradoxo testemunhar agora as manifestações de apoio que os partidos extremistas da direita europeia vêm recebendo dos líderes de Moscovo.

Não se trata, certamente, do caso de estes terem renegado por completo, pelo menos publica e oficialmente, os grandes princípios ideológicos que serviram de base e fundamento à criação um novo país, nascido da revolução de 1917. Mas o que acontece é que a maior parte desses princípios já não constituem dogmas, nem na teoria nem na prática política, desde a queda da União Soviética, e mais concretamente ainda, desde o consulado do presidente Yeltsin. É verdade que o seu sucessor e actual presidente, Vladimir Putin, tinha sido um homem do KGB, mas os princípios comunistas em que foi moldada s sua personalidade humana e política deram lugar a um novo dogma: o do nacionalismo. E foi com com a adopção deste novo princípio que ele haveria de conquistar, ao fim de alguns anos, a grande maioria do povo russo.

Mesmo sem o enunciar com a mesma frequência, Putin antecipou no seu país o slogan correspondente ao que seria utilizado por Donald Trump na sua campanha eleitoral para as presidenciais americanas: “a América, primeiro”, substituindo-o pelo seu “a Rússia, primeiro”. É este dogma nacionalista que tem comandado toda a sua política interna e externa, transformado que foi numa espécie religião que se propagou a uma parte significativa dos países europeus, nomeadamente a França, a Holanda, a Itália, a Hungria e a Áustria, entre outros.

Parece claro que esta redescoberta do nacionalismo populista entre os países da velha Europa constitui hoje uma ameaça séria aos ideais que estiveram na origem e no progressivo desenvolvimento da CEE, primeiro, e da UE, depois. Em contrapartida, trata-se de uma ameaça que a Rússia vê com muito bons olhos, porque quanto pior para a União Europeia, melhor para Vladimir Putin. O que é motivo de preocupação para Bruxelas é causa de satisfação para Moscovo.