A ONU enfrenta repetidamente um dilema de difícil solução. Falamos dos problemas levantados pelas intervenções externas em países que vivem situações dramáticas.
Por António José da Silva
Quando se trata de catástrofes naturais, praticamente ninguém discute o dever universal de uma intervenção que minimize os sus efeitos. Isto, apesar de se conhecerem alguns casos de rejeição de ajudas externas por parte de alguns países, como aconteceu há anos na Birmânia, então governada por militares, e como está a acontecer ainda hoje na Venezuela. Já quando se trata de problemas que têm origem na política, qualquer intervenção externa corre o risco de não recolher unanimidade, a começar pela própria ONU, isto em nome de um dos grandes princípios da sua Carta.
Vem isto a propósito da situação social e política que se vive hoje na Líbia. Em 2011, o mundo tomou conhecimento da morte violenta de Muamar Kadafi, na sequência de um movimento de contestação inspirado na chamada “primavera árabe”, e que pôs fim a um regime de 40 anos, exercido autoritariamente por este coronel que tinha tanto de revolucionário como de excêntrico. Durante uma grande parte desses anos, ele foi um líder bastante popular no seu país, e não só, graças precisamente a essa excentricidade, mas graças, sobretudo, às rendas do petróleo que lhe permitiram levar a cabo políticas sociais avançadas, suficientes para lhe garantiram o apoio da maior parte da população.
No entanto, com a diminuição dessas rendas, a estrela de Kadafi começou a empalidecer, e mais ainda quando o seu nome passou a star conotado com o apoio ao terrorismo internacional, e mais concretamente com o trágico atentado de Lokerbie, atribuído aos seus serviços secretos. Por via da diminuição das receitas petrolíferas e dos efeitos das sanções internacionais, foi crescendo na Líbia a oposição a Kadafi. Com o apoio das potências ocidentais, esta oposição acabou por ganhar uma expressão militar, dando origem, a partir d 2011, a uma guerra civil que terminou com a derrota das forças que ainda lhe eram fiéis, e com a sua morte inglória.
Em alguns países, a notícia do desaparecimento de Kadafi foi recebida com regozijo, mas rapidamente a opinião pública internacional percebeu que o país poderia mergulhar num abismo, como está a acontecer A sua ditadura pessoal deu lugar à multiplicação dos chamados senhores da guerra, enquanto o povo líbio conhece de novo o drama de outra guerra civil. É o fruto de uma intervenção internacional, que foi bem intencionada, mas que, tal como aconteceu com outras, se revelou absolutamente desastrosa.