Agustina Bessa-Luís, um nome cimeiro da literatura portuguesa

Fomos surpreendidos na manhã de 3 de junho de 2019 pela notícia do falecimento da escritora Agustina de Bessa-Luís. Surpreendidos, mesmo que soubéssemos do seu estado, porque a morte surpreende sempre. Nascida em 15 de outubro de 1922, contava 96 anos. Natural de Vila Meã, concelho de Amarante, tinha por nome de Batismo e de família Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa, passando a assinar as suas obras inicialmente como Agustina de Bessa Luís e depois como Agustina de Bessa-Luís, nome que adotou após o seu casamento com o advogado Alberto Luís (1921-2017), em 1945.

Por M. Correia Fernandes

Desde cedo a sua escrita começou a ser notada e valorizada por escritores como Aquilino Ribeiro e Teixeira de Pascoaes (que era como ela amarantino). Mas foi a publicação do seu romance “A Sibila” (1954) que a tornou definitivamente assumida pela crítica como um modelo de narrativa original, inspirada na estrutura familiar e na cultura das gentes da sua região e nas vivências que firmam personalidades e capacidades de decisão no enfrentar dos dramas pessoais e sociais de uma estrutura familiar, de um espaço e de um tempo localizado, mas tornado intemporal. Sibila é a missão dada à protagonista da narrativa, Quina, mulher de forte caráter e de princípios tradicionais enraizados na sua personalidade, que assume como se fosse a força de um oráculo, em confronto com uma sobrinha, Germa que, embora tímida, vai fazendo reviver a influência de Quina e sobretudo a sua capacidade de assumir a força e a tradição ancestral da tia.

Obra que se tornou objeto de análise literária por sucessivas gerações de estudantes, ficou como exemplo de uma nova forma de dar à escrita do romance a dimensão de um humanismo pessoal, em que valia a pena pensar, e por isso estruturante.

Sucederam-se obras que continuaram a afirmar a extraordinária capacidade inventiva e crítica da autora, sempre  atenta à evolução social, aos movimentos humanos e aos movimentos cívicos e políticos, sobre os quais desenvolvia sempre um discurso em que associava a lucidez ao julgamento pessoal transmitido através de uma linguagem sentenciosa e aforística (que deu mesmo origem a uma colectânea de “Aforismos”, publicada pela sua editora de então, “Guimarães Editores”, em 1988.

Uma das dimensões que tornaram mais mediáticas várias das suas obras foi a adaptação ao cinema que delas começou a ser feita pela criação de outra figura da nossa cultura do último século, Manoel de Oliveira. Salienta-se a adaptação do seu romance “Fanny Owen”, em que assume preponderância ocasional a figura de Camilo Castelo Branco, e a que Oliveira titulou de “Francisca” (1981). Seguiu-se outra obra antológica resultante da colaboração dos dois: “Vale Abraão” (1993), uma interpretação em universo duriense do drama de Gustave Flaubert, “Madame Bovary”, do qual toma o nome da protagonista, Ema. Romance de seduções e transgressões em ambiente aristocrático e rural, vale pela riqueza do diálogo e pela criação dos ambientes sociais e humanos e por uma linguagem densa e cheia de equívocos sociais e culturais.

A colaboração com Manuel de Oliveira passou ainda por outras obras mais recentes, como

“O princípio da incerteza”, “O Convento”, os diálogos da longa-metragem “Party”. O realizador João Botelho também adaptou o romance “A Corte do Norte”.

Entre as tarefas sociais que desempenhou salientam-se a direção do diário “O Primeiro de Janeiro” (1986-87), a direção do Teatro nacional D. Maria II em Lisboa (1990-93), tendo também integrado a Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Recebeu também vários prémios, sendo o mais relevante o Prémio Camões, atribuído na sua edição de 2004. A Associação Portuguesa de Escritores galardoou  duas obras suas com  o Grande Prémio de Romance e Novela: “Os Meninos de Ouro” (1983), e “O Princípio da Incerteza” (2002). Foi distinguida em 1980 com a Ordem de Sant’Iago da Espada, em 1988 com a Medalha de Honra da Cidade do Porto e com o grau de “Officier de l’Ordre des Arts et des Lettres”, concedido pelo Governo francês.

Agustina de Bessa-Luís é uma figura tutelar do nosso universo cultural. Ela soube estar em cima ou ao lado, de todos os dramas humanos, com o mais profundo sentido das nossas limitações. Pela sua escrita passam as generosidades e as dúvidas, as transgressões e as fraquezas humanas.

Aqui fica para meditação:

“Escrever é isto: comover para desconvocar a angústia e aligeirar o medo, que é sempre experimentado nos povos como uma infusão de laboratório, cada vez mais sofisticada. Eu penso que o escritor com maior sucesso é aquele que protege os homens do medo: por audácia, delírio, fantasia, piedade ou desfiguração”.