A “lucidez evangélica” do Venerável António Barroso

“António Barroso e o Vaticano – Correspondência” é um livro de D. Carlos Azevedo, delegado do Conselho Pontifício para a Cultura, que foi apresentado no dia 17 de maio no Paço Episcopal do Porto.

Por Rui Saraiva

A apresentação da obra foi feita pelo Cónego Jorge Cunha, presidente do Cabido Portucalense e professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa numa sessão que foi presidida pelo bispo do Porto, D. Manuel Linda. Presente a Dra. Zita Seabra da Aletheia Editores que publica o livro.

Esta obra é resultado de três anos de pesquisa do autor no Arquivo Secreto Vaticano sobre as mensagens do antigo bispo do Porto. São publicados mais de 400 documentos, na sua maioria inéditos. D. Carlos Azevedo prestou declarações à VP que aqui publicamos:

P: O que é que nos traz este livro?

R: Traz-nos o retrato de uma personalidade. Hoje nós com o correio eletrónico e com o telemóvel esquecemos este género literário que é o da correspondência pessoa a pessoa. E aqui vemos uma correspondência que, com certeza, quando foi produzida não tinha a ideia de ser publicada, porque era dar parecer a um Núncio sobre os assuntos mais variados desde a nomeação de bispos, a criação de dioceses até outros assuntos internos da vida da Igreja num tempo crítico como foi o do fim da Monarquia e do princípio da República. Nós muitas vezes pensamos que o tempo crítico foi só o da mudança da República e não. A ameaça republicana estava já presente no final do século XIX princípio do século XX em muitas crises ligadas ao ensino, ligadas a questões polémicas. E aí o seu parecer era sempre de uma lucidez que o Núncio apreciava e, muitas vezes, mandava para o Secretário de Estado do Vaticano. (…) E isso dá-nos um retrato mais completo da personagem que era António Barroso, sobretudo em documentos inéditos que não eram conhecidos.

P: Tem um enfoque temporal esta troca de correspondência publicada agora neste livro?

R: Com certeza que sim. É um enfoque que tem em conta as polémicas e as questões que ocuparam a Igreja mas, ao mesmo tempo, tem uma dimensão inovadora da pastoral, uma dimensão de lucidez, de quem não olha para o imediato mas olha para uma eficácia evangélica e não uma eficácia aparente. E isso certamente que são lições sem tempo, são lições para todos os tempos para nós termos uma pastoral que não seja meramente da corrida do imediato mas tenha em conta uma lucidez que ultrapasse o tempo e seja sempre correspondente ao Evangelho e não a agradar a correntes.

P: E qual era a lucidez evangélica de António Barroso?

R: Quem respeita o Evangelho pauta os critérios por uma linha de eternidade e não meramente temporal.

P: Ele que foi um defensor da liberdade religiosa, podemos dizer que, com o seu processo de beatificação, é um exemplo a ser tido e conta e a ser mais conhecido em Portugal e no mundo?

R: A sua determinação apostólica, a sua coragem, são fundamentais para que haja uma correta linha de futuro. E nós sabemos que a humanidade só terá futuro se houver um diálogo inter-religioso, se houver um respeito pela presença de Deus na cultura. E isso está na presente na sua correspondência, está presente na sua atitude. E essa coragem de não deixar que vençam critérios anómalos mas seja plenamente atendida a verdade de Deus e o anúncio do caminho que salva a todos é importante. O seu amor à pátria não era nacionalista mas respeitava a humanidade de todos. E isso é algo que temos muito a aprender quando crescem os nacionalismos e os fundamentalismos que depois são a origem da falta de liberdade religiosa.

D. António Barroso foi bispo do Porto de 1899 a 1918 e foi já reconhecido pela Santa Sé como Venerável estando a decorrer o processo de canonização no Vaticano com a postulação do padre João Pedro Bizarro, sacerdote da diocese do Porto que se encontra a estudar em Roma.