Por entre laranjais

Há muito desejava conhecer Sagunto, símbolo da resistência ibérica. Aconteceu em 218 a. C.. Antes de serem vencidos pelos cartagineses comandados por Aníbal, os saguntinos lançaram à fogueira todos os bens e crianças, mulheres e idosos, enquanto os homens lutavam até à última gota de sangue. Ao percorrer o seu imponente castelo (séc. IV a. C.), ainda sentimos calafrios com a memória de tal heroicidade. Para desanuviar, nada melhor que alongar o olhar sobre o verde dos laranjais que se esbate no azul do Mediterrâneo. Ao descer, merece uma visita o “Teatro Romano” (séc. I).

Por João Alves Dias

Por aqui passaram e lutaram gregos, cartagineses, romanos, árabes e outros povos e guerreiros como “El Cid – Campeador”. A doçura dos vales, povoados de hortas, contrasta com a dureza dos castelos no alto dos montes. Confirmei-o quando visitei Morella. A fragância das laranjeiras eleva-se sobre uma cidade anichada entre muralhas e coroada por um inexpugnável castelo roqueiro.

O livro “Morella” fala duma ”Terra de guerras. Mil batalhas”. Para além do castelo, mereceu-me especial atenção a igreja de Santa Maria Maior. “É uma das mais belas igrejas góticas valencianas”. Na fachada principal, surpreendem-nos dois pórticos, cada qual o mais elegante. “O interior da basílica é igualmente excelso”. Destaco, pela sua originalidade, o coro sobre um arco rebaixado e as esculturas do “transcoro” que representam o Juízo Final. Nesta igreja, celebrou missa o “Papa Luna”, diante do rei de Aragão, antes de se refugiar em Peñíscola.

Nesta cidade-fortaleza, debruçada sobre o mar, vale a pena subir ao castelo dos Templários (séc. XIV) e demorar-se nas “Dependências do Papa Luna” onde o antipapa Bento XIII viveu e morreu (1423) convencido de que era o único papa verdadeiro. Entre os muitos textos que aqui redigiu, merece relevo “O Livro das Consolações da Vida Humana” de que cito: “ Se não existissem as tribulações, os homens esqueceriam o Senhor Deus e estariam contentes com as coisas terrenas”.

Em Xátiva, dizia-me, com orgulho, um camionista aposentado: “Não há outra cidade do Mundo que tenha tido dois papas”. E realmente, na frente da igreja de “Santa Maria de la Seu”, erguem-se os monumentos de Calisto III e Alexandre VI – “Os Papas Borja”. E sempre o mesmo contraste: laranjais nos arrabaldes e, nas alturas, o castelo…
Nesta viagem por paisagens amenas, surpreenderam-me os muitos sinais da guerra.

Não só nos castelos… Já na pré-história, na pintura rupestre “A Guerra dos Arqueiros”, perto de Morella, há grupos humanos em luta com arcos e flechas. E, na atualidade, as feridas da “Guerra Civil 1936-39” ainda sangram nos monumentos que as perpetuam, num “olho por olho, dente por dente”.

Como se viu nas eleições do passado dia 28, é uma Espanha dividida e ainda com muitos rancores. Terra de acentuados contrastes e de exacerbadas paixões.