
A Fundação “A Junção do Bem”, que tem sede em Oeiras, em colaboração com a editora “Principia”, acaba de publicar o livro “Os Direitos do Homem Desnaturado”, da autoria da Grégor Puppink, que dirige o “European Centre for Law and Justice” (Centro Europeu pela Lei e a Justiça) e colabora junto de organizações internacionais e dos serviços diplomáticos da Santa Sé.
Por M. Correia Fernandes
É autor de um trabalho intitulado “A Família, os Direitos do Homem e a Vida Eterna”, também editada pela Principia, 2018, e que recebeu o Prémio “Humanismo Cristão 2016”. Grégor Puppink foi orador num encontro promovido pela “A junção do Bem”, que teve lugar num hotel do Porto, perante mais de uma centena de convidados, entre os quais membros da Comissão Ecuménica do Porto. A dimensão essencial da sua comunicação centra-se no tema do seu livro agora publicado, em que entende que o conceito e o projeto que deu origem à Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 é sistematicamente desvirtuado através dos conceitos e das práticas das teorias hoje veiculadas na comunicação social e em muitas convicções geralmente assumidas e aceitas na mentalidade atual.
Os Direitos Humanos na sua formulação original vinham marcados pelo ideal da Universalidade (aplicados e válidos para todas as pessoas, para além de quaisquer diferenças biológicas, culturais ou religiosas). Buscavam por isso um equilíbrio universal da condição humana, baseados na compreensão da Humanidade como um todo e da participação de todos os indivíduos num universo colectivo e igualitário em dignidade e direitos, superando espaços geográficos e de fronteiras, bem como as diversidades culturais.
O autor entende que nos tempos mais recentes o princípio da universalidade dos direitos padece de um conjunto de interpretações marcadas pelo individualismo, substituindo o universal pelo individual, por mudanças culturais, pelos novos entendimentos do sentido familiar e pelas diferenças biológicas, de orientação sexual como a homossexualidade, a homoparentalidade, pelo divórcio, pelas implicações de situações como as alterações familiares, os conceitos e práticas da desestruturação familiar.
Faz notar que as ideias atuais incidem mais nos direitos e implicações da comunidade, nas influências e imposições das estruturas sociais dominantes, marcadas pelos domínios da economia, das mentalidades ideológicas ou pelos conceitos impostos por modas ou modelos económicos ou socialmente aceites. Acontece assim o que chama um “afastamento dos valores da natureza” e da pessoa, pela proteção da liberdade individual e pelos interesses das comunidades marcadas pela propaganda e pela publicidade. Outra dimensão é o confronto da liberdade individual com o domínio
do Estado, o domínio das obrigações financeiras e das pressões das forças económicas e sociais marcadas pelos modelos propostos e impostos pela publicidade e pela propaganda. Desta forma o sentido universal dos Direitos Humanos é sobrepujado pela força das estruturas, pelas imposições da tecnologia, transformando os direitos da pessoa em dinâmicas tecnológicas.
Afirma o autor que este caminho constitui uma ameaça aos próprios direitos humanos, e pergunta se é possível reverter esta imposição, que conduz a sociedade e a pessoa ao absurdo, o que acabará por lhe trazer sofrimento e falta de sentido. Afirma ser necessário “reenraizar” e proteger a consciência individual e coletiva, encorajar as formas de enraizamento, reinventar a dimensão do humanismo e da pessoa, encorajar novas iniciativas. Vivemos, diz, numa época extraordinária, charneira entre um mundo passado e uma realidade futura, a que importa dar sentido humanizado.
O livro “Os Direitos do Homem Desnaturado” (título que pode ser ambíguo: o que é “desnaturado” é o sentido profundo da Declaração Universal) salienta a pouca solidez da ordem moral internacional, transformando o conceito de “Estado de Direito” em mero “Estado soberano”. O livro aborda ainda temas fronteira hodiernos: o “transumanismo”, como prolongamento de um evolucionismo materialista, o eugenismo, a medicina que abandona a dimensão terapêutica pela intervenção na própria natureza biológica, os dramas da procriação medicamente assistida, afirmando que na nova interpretação os Direitos do Homem “definem um homem novo”, assumindo o lugar de “consciência coletiva”.
Entre as conclusões, salienta-se: “Adotar um órfão é um ato sobrenatural de grande humanidade, enquanto produzir voluntariamente um órfão, por maternidade de substituição ou procriação medicamente assistida anónimas, é um ato contra natura e desumano; por isso os juízes estão enganados quando autorizam a maternidade de substituição com o argumento de que ela se assemelha a uma adoção. Temos aqui duas maneiras simétricas de ultrapassar a natureza, mas só uma maneira de ser humano, e isso aplica-se a todos os domínios.
Este bem, que é verdadeiramente sobrenatural e humano, tem um nome: chama-se caridade. Suprimindo a caridade perdemos a nossa humanidade. A caridade não se exerce em sonhos de poder nem em discursos; encarna na realidade da existência”. É o que se chama a “caridade encarnada”. Trata-se de um livro sobre a nossa sociedade atual, mais do que em conceitos, numa análise prática das suas dimensões. Por isso, é leitura recomendável.
(Grégor Puppink, “Os direitos do homem desnaturado”, Cascais, Principia, 20118, 271 p.)