Mensagem (30): A surpresa de Deus

Ao longo desta semana, não consegui deixar de associar o que, à primeira vista, parecem dois antípodas: a Páscoa e o desastre de Notre Dame de Paris.

Neste, vi uma Europa que sofreu em conjunto, que se solidarizou na dor e unanimemente se dispôs à colaboração. Vi uma Europa que fez o que já não fazia há séculos: uniu-se em alma comum. Alma de matriz religiosa cristã, como é fácil de ver.

Mas vi mais. Pelas televisões, que faziam reportagens em direto, vi que os jovens choravam e era predominantemente dos seus olhos que escorriam grossas lágrimas. Vi que neles, nos jovens, a laicíssima França ajoelhou, rezou e cantou para pedir a Nossa Senhora que salvasse a sua casa. Vi mãos postas onde era mais inverosímil, vi afeição ao religioso na pátria da revolução antirreligiosa por excelência, vi fé na «cidade das luzes» do racionalismo.

E se vi isto, e antes não se via, é sinal de que há brasas debaixo das cinzas, há alma onde só parecia existir profanidade, há cristianismo onde alguns se ufanavam de dizer que já tinham obtido a «morte de Deus», há fé onde se pensava que só o agnosticismo tinha direitos de cidadania. Sim, há fé, porque por mais que se ame a história e a arte, não são estas quem leva a ajoelhar em público, a erguer as mãos, a rezar Avé-Marias, a entoar cânticos marianos.

Foi terrível que o desastre de Notre Dame acontecesse. Mas, já que aconteceu, ao menos traz-nos uma faceta positiva: constituiu uma espécie de sopro na cinza que encobria as brasas e revelou a dimensão religiosa que subsiste na sociedade. Particularmente entre os jovens, sublinhe-se bem.

Motivo de espanto? Talvez. Mas a história regista outros momentos ainda mais marcantes. Por exemplo, quando, há dois mil anos, quase todos julgavam que Jesus de Nazaré estava morto e bem guardado por soldados, “ao terceiro dia, ressuscitou”. Facto apenas testemunhado por uns poucos. Não obstante, esta notícia encheu a terra. E muitíssimos, ontem, hoje e sempre, aferiram, aferem e aferirão a sua existência por esse dado e celebram-no ritualmente todos os Domingos.

Como vemos, a história traz-nos surpresas. Surpresas alegres, como são sempre as intervenções de Deus na história dos homens. E como é alegre a Páscoa.

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