
Depois de ter mostrado que não há qualquer contradição insuperável entre o intricado e elegante processo da evolução, e a mais bela e complexa acção criadora divina – tendo mesmo afiançado que Deus também estará a criar por aqueloutro procedimento –, convém agora deixar claro que o Mesmo não cria apenas pela evolução.
Por Alexandre Freire Duarte
E isto, até porque, desde logo, a noção cristã de “criar” remete para o facto de que Deus está a suscitar e a sustentar, em “cada instante” e ao nível mais profundo do ser de todas as coisas, a totalidade do que existe a partir da plenitude do Seu Amor.
Mas podemos ir mais longe. Olhemos, por exemplo, para o ser humano: o suporte material do nosso corpo é uma forma de vida orgânica que até pode ter evoluído, a partir de condições mais simples, ao longo de milhões de anos, acarretando consigo a sua história evolutiva. Eis o que também poderá ajudar a explicar que, devido à sua associação com o nosso corpo (inseparável das demais dimensões constitutivas do nosso ser), tenhamos acabado por herdar certas tendências para: a colaboração; a agressão; a busca da beleza; a atracção sexual; e, entre outras, a competição.
Não obstante, o ser humano não se reduz a tal suporte material: nós somos igualmente seres espirituais, e tudo o que possui uma natureza espiritual – capaz de pensar, estimar e ser (auto-)consciente – não pode evoluir linearmente da matéria. Sejamos sinceros e mais claros: a consciência que possuímos da matéria não se reduz a uma parte dessa mesma matéria, do mesmo modo que o conhecimento de algo não pode, de todo, ser uma parte desse “algo”.
Se assim é, há que entender que a acção de Deus a nível do Seu acto criador, não é, em circunstância alguma, nem um interferir na autonomia dos processos de transformação biológicos, nem da mesma ordem destes. Ela é de uma outra espécie de influência – propriamente espiritual –, a qual, sem desvirtuar aquele movimento transformador, antes age, entre outras coisas, garantindo aos seres, que por ele evoluem, o próprio ser dos mesmos, e, ao mesmo tempo, a capacidade de agirem de acordo com as suas próprias naturezas. E, desta forma, conferindo àqueles um sentido que eles, por si mesmos, não possuíam, nem poderiam atribuir.
Este conferir divino de um sentido ao que, de outro modo, seria como que um mero mecanismo simplesmente arbitrário, não elimina o empenho que nós devemos colocar nas nossas vidas. Pelo contrário: ele motiva a nossa procura por vivermos de acordo com a nossa natureza – pautada sobretudo pela liberdade, o conhecimento e a vontade que permite querer (e, assim, amar) – de modo a lograrmos alcançar a meta de tal sentido – Deus –, sendo que o alcançar essa meta não será o continuar da referida procura, mas a própria consumação desta.