“Em 2019, gostaríamos muito que fosse o ano da viragem”

O padre Samuel Guedes, Ecónomo da Diocese do Porto, revela em entrevista à VP o caminho percorrido no âmbito económico desde que iniciou funções em julho de 2017. Destaque para as primeiras medidas tomadas, os resultados entretanto atingidos e a gestão do património da Diocese

Entrevista conduzida por Rui Saraiva – Fotos de João Lopes Cardoso

P: Em linhas gerais que situação veio encontrar a nível financeiro na Diocese do Porto em julho de 2017?

R: Em julho de 2017 o Senhor D. António Francisco, de saudosa memória, entregou-me uma situação económica da Diocese bastante preocupante: o endividamento bancário aumentava, os resultados do exercício cifravam-se em prejuízos na ordem dos €500.000,00/ano e a reputação da Diocese nas entidades bancárias não era de todo a melhor. Havia ainda a situação difícil, do ponto de vista financeiro, de um dos colégios diocesanos, o Colégio de S. Gonçalo de Amarante, que agravou as contas centrais, e que apresentava prejuízos acumulados elevados. O crédito bancário rondava os 3.300.000.00€, havia dívidas a outras instituições, como os ofertórios consignados por entregar aos destinatários, dívidas a fornecedores, encargos bancários, entre outros dossiers… o que se traduzia num passivo, muito próximo, dos 5.000.000.00€.

P: Mas a Diocese possuía património imobiliário?

R: O património imobiliário também se traduzia num dossier complicado e a necessitar de uma atenção redobrada. O agilizar de um inventário capaz de responder de forma célere às diferentes solicitações; o conhecimento efetivo da realidade da Diocese no que concerne ao IMI a pagar e às diferentes obrigações perante a lei; a recente valorização de prédios devolutos ou em abandono na cidade do Porto em que é necessário ponderar a sua venda ou arredamento de longa duração; os diferentes arrendamentos e o clarificar de situações dúbias de direitos e deveres em que a Diocese estava a ser prejudicada; as doações e a vontade dos legítimos proprietários; o rentabilizar de espaços e
propriedades subaproveitadas… enfim, um sem número de dossiers acumulados a necessitarem de uma resposta urgente.

P: Quais as primeiras medidas que tomou?

R: Dada a situação emergente encontrada, foi necessário tomar decisões de fundo: não só reestruturar toda a equipa de trabalho, como também os métodos de gestão. Foi preciso iniciar um processo de recuperação económica, muito difícil e muito exigente, que implicava dispensa de colaboradores, substituir e/ou requalificar outros, diminuir despesas e serviços, organização, inventariação e rentabilização do património imóvel. Depois, desenhar um caminho de centralização da administração diocesana nos vários setores e secretariados, possibilitando sinergias, nomeadamente na partilha de resultados alcançados e em ordem a facilitar uma adequada gestão de tesouraria. E foi isso que, em total sintonia com o Bispo da Diocese, se fez.

P: Quais os principais resultados atingidos nos anos 2017 e 2018? Qual a situação financeira e económica da Diocese hoje?

R: Para o exercício de 2018 prevemos um resultado ainda negativo, a apontar os €100.000.00. Para 2019 já prevemos que a Diocese não tenha prejuízos, espelhando-se no orçamento as poupanças conseguidas nos principais consumos e as geradas pela redução do endividamento. A reputação da Diocese nas entidades bancárias é boa e de confiança e, à conta disto, temos vindo a renegociar com êxito spreads, comissões e garantias. O endividamento bancário, a dezembro de 2018, era de €1.500.000,00 o que traduz uma diminuição de cerca de €1.800.000,00. Em termos de património imobiliário, conseguimos a alienação de algum, o que possibilitou a redução do crédito bancário. A renegociação de valores de rendas e a celebração de novos arrendamentos tem merecido da nossa parte grande atenção.

P: Como está a ser gerido o património da Diocese?

R: A Diocese do Porto é detentora de um significativo património de bens rústicos e urbanos cuja gestão e rentabilização nem sempre foi pensada de forma estruturada, profissionalizada e racionalizada. A pretexto de um pretenso “desapego das coisas terrenas”, não raras vezes tem sido descurada a rentabilização deste património, deixando-o “adormecido”. Como já referi, foi necessário fazer um inventário completo, dos todos os bens patrimoniais da Diocese do Porto (também os dos seminários diocesanos), que nos permite ter um quadro bastante realista sobre os recursos existentes, a sua utilidade, os seus custos e proveitos.

P: A Diocese vai conservar ou alienar esse património?

R: Após longa e criteriosa reflexão com o Conselho Económico Diocesano, entendeu-se que alguns bens
de baixo ou médio valor, urbanos ou rústicos, livres ou subaproveitados, podem ser alienados por um preço justo, claro e transparente; aqueles bens de alto ou muito alto valor de natureza rústica devem ser objeto de análise para podermos determinar se devem ou não ser colocados no mercado para alienação, ou para contratos de arrendamento, concessão, ou direito de superfície, consoante o destino que lhe possa vir a ser dado. Os bens de alto ou muito alto valor de natureza urbana, disponíveis ou disponibilizáveis, podem ser objeto de celebração de contratos de arrendamento, ou concessão em direito de superfície de longa duração. As receitas obtidas com este plano de gestão patrimonial poderão ser destinadas à redução ou liquidação do endividamento bancário da Diocese (já em curso); à reabilitação do património da Diocese de utilização própria intensiva; à constituição de um fundo financeiro destinado aos seminários, ao apoio ao clero, atividades de natureza pastoral e cultural, social ou caritativa; e, por fim, à constituição de um fundo de reserva financeiro que salvaguarde situações de crise, emergência, ou riscos contratuais.

P: Quais os assuntos económicos prioritários de resolução neste ano de 2019?

R: Em 2019, gostaríamos muito (e vamos conseguir) que fosse o ano da viragem. Para isso são nossos objetivos a liquidação total do crédito bancário e o início da criação de um fundo financeiro quer para a Diocese, que lhe dê segurança económica, quer para os seminários diocesanos, que precisam, urgentemente, de requalificação dos seus espaços de habitação e formação.

P: Que mensagem gostaria de deixar sobre o futuro económico da Diocese?

R: Não precisamos de ter medo da economia. Muito menos daquilo a que chamamos economia diocesana. E devemos olhar para ela numa dimensão de serviço, usando-a como ferramenta para obter resultados que nos permitam manter ou alargar a nossa ação pastoral no espaço onde trabalhamos. Estão a começar a bater-nos à porta instituições com problemas de sustentabilidade e a pedir-nos ajuda para os resolver. É preciso dar resposta. E, às vezes, não serve, nem chega, o socorro do fundo diocesano. É preciso mais, como ajudar a reestruturar e disponibilizar meios financeiros para o sucesso da intervenção. Assim, precisamos de construir uma economia voltada para dar resposta acima da “economia do lucro”. E, ao que chamamos “lucro” (onde todos colaboram e do qual todos beneficiam) saber ver nele uma capacidade, para o desenvolvimento da nossa missão. Seja ela de ordem pastoral ou de ordem social. Talvez este deva ser o melhor caminho para o futuro económico da Diocese.