
Neste semana da Páscoa vamos esquecer as tribulações da vida eclesial e concentrar o olhar no “Ecce Homo” olhar que sustenta a Igreja e o mundo de todos os tempos.
Por Jorge Teixeira da Cunha
Vamos dar a palavra a dois poetas da nossa Cidade do Porto cujas palavras nos guiam com mestria e segurança para o centro do mistério cristão. Sobre o papel da grande poesia como guia para o divino já nos tinha falado D. António Ferreira Gomes, que morreu precisamente há trinta anos, a 13 de Abril de 1989. Hoje mais do que nunca, o crente tem de viver como poeta se não quiser perder o pé e ser arrastado pela sedução da superficialidade que ameaça muitas expressões culturais dos nossos dias.
Chamamos, em primeiro lugar, Fernando Echevarría, que nos seus incansáveis noventa anos vai dando, em poesia, as boas-vindas ao sol de cada dia, ali para os lados da Foz do Douro. Num poema de “In terra viventium”, ele escreve uma páscoa de delicioso sabor bíblico: “Adão pastoreou a luz das horas/ As das refregas turbulentas…/ Mas, sobretudo, quando nele sonham/ o trabalho e a paz. A inteligência/ alarga-se, depois. Vislumbra a história/ de um passado feliz onde a promessa/ floriu num lenho que, segundo, inova./ E cuja inovação se nos entrega/ no signo imemorial de luminosa/ implantação. E que reduz a terra/ a sacramento erguido para a glória/ do lenho destacar
sua evidência./ E a luz sublime da misericórdia/ que Adão, agora novo, leva acesa…/ a divulgar a sua oculta ausência”. A experiência religiosa está mediada pela poesia noutro lugar do mesmo livro: “Carvalheiras de Deus. Sob elas abre/ o lugar invisível que se esconde…/ Aqui estamos a auscultar a aragem/ que ficou do vestígio por que fostes/ ver o que havia a ver por trás da idade/. E por trás da manhã que sucedeu à noite”. Incansavelmente, o poeta vai tecendo a sua teia de palavras por onde o Deus invisível pode entrar no nosso quotidiano acidentado.
O segundo poeta que convocamos para nos ajudar a viver a Páscoa é Fernando Guimarães. Na sua infinita discrição, ele fi caria perplexo por o colocarmos no papel de guia para Deus. Mas é isso que ele realiza maravilhosamente. Não é o poema do seu último livro “A Terra se é leve” que queremos aqui trazer para compreender a teofania do Cenáculo. Para esta Semana Santa convidamos a frequentar as suas “Lições de Trevas”, de que transcrevemos este passo: “Não queiras muitas coisas. Olha para as mãos/ e vê tudo o que elas podem conter se estão vazias./ Há muito que esperam o gesto de uma oferenda, a que chega/ para que se tornem mais amplas ou possam receber/ as límpidas cores, os vestígios onde se conhecia/ o sulco mais estreito que as vinha separar/ até que sejam apenas tuas as margens deste rio/ que se tornou maior a assim encontra o nada.”
A depuração extrema da poesia de Fernando Guimarães anda muito próxima da experiência mística cristã, nos seus melhores momentos. O nosso conturbado mundo tem lençóis freáticos de abertura ao absoluto de Deus. É necessária uma grande atenção os reconhecer para lá do sonambulismo aparente de alguma cultura de hoje, mesmo dentro da Igreja.