Começar por baixo

«É preciso começar por baixo.» Disse-o desde o início. No verão de 2013, o novo papa, em resposta a uma entrevista ao diretor da revista “La Civiltà Cattolica” explicou a sua visão da Igreja: «Vejo com clareza que a coisa de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar feridas e voltar a aquecer o coração dos fiéis, a vizinhança, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol e os açucares altos! Tem de se curar as suas feridas. Depois poderemos falar de tudo o resto. Curar as feridas, curar as feridas… E é preciso começar por baixo».

Não foram letra morta as palavras do papa, vimo-las incarnadas diariamente nestes seis anos de pontificado, até ao gesto desta quinta-feira, 11 de abril, vimos esse «por baixo», com o papa ajoelhado por terra, com esforço, para beijar os pés ao presidente e vice-presidente designados do Sudão do Sul. Uma nação que é um campo de batalha, uma ferida aberta na terra martirizada de África a curar urgentemente.

Beijar os pés, talvez não exista um gesto mais humilde, mais próximo do húmus, da terra, esse húmus de que nasce o “humanus”, a “humanitas”. Um gesto bíblico, vem à menta a lavagem dos pés, as lágrimas da pecadora aos pés de Jesus, e sobretudo o grito de exultação do profeta: «Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz» (Isaías 52,7), porque é disso que se trata, da paz. A paz que é um processo que no gesto de quinta-feira conheceu uma aceleração.

O papa não acredita em fáceis atitudes pacificadoras, sabe que este processo comportará crises, abrandamentos e inclusive lutas, que no entanto – disse aos líderes convocados diante dele – devem acontecer «à frente do povo, com as mãos unidas», pois só assim «de simples cidadãos vos tornareis Pais da Nação». Várias vezes Francisco exortou os homens, sobretudo os jovens, a tornarem-se de meros habitantes em verdadeiros cidadãos, agora pede aos líderes políticos para se tornarem cidadãos Pais da Nação, é o «mais» da espiritualidade inaciana. Mas, sempre, na concretude, sem seguir ideais vagos, antes lançando-se nas dobras e nas chagas da história.

Daqui nasceram muitos gestos realizados por Francisco nestes seis anos, daqui nasce a prática das “sextas-feiras da misericórdia”, [que ontem teve nova atualização com a visita a uma casa para pessoas com doença de Alzheimer], daqui brota a imagem da Igreja como hospital de campanha.

(Andrea Monda in L’Osservatore Romano , tradução de Rui Jorge Martins, publicado a 13 de abril de 2019 pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, Imagem: D.R.)