Já se passaram cerca de 150 anos desde que Darwin, baseado em autores precedentes, postulou a sua teoria da evolução das espécies.
Por Alexandre Freire Duarte
Os debates acalorados que, na altura, tal teoria suscitou, já estão ultrapassados e, afora alguns movimentos mais biblicistas do que cristãos, a evolução é assaz aceite no âmbito do Cristianismo (mas não o evolucionismo, uma vez que implica, não só uma simples “selecção natural” grandemente belicosa, como um materialismo infinitamente redutor).
Para muitos observadores, a mencionada aceitação parece comportar duas realidades tidas como inegáveis. Em primeiro lugar, a admissão de que a fé cristã deixou de ter algo a dizer a respeito do surgir quer da vida, quer do
ser humano.
Em segundo lugar, um certo “baixar de braços” na tentativa de falar de uma acção criadora divina. Infelizmente, para tais observadores, isso não corresponde à verdade, tal como tentarei deixar claro no restante deste texto e nos dois que se lhe seguirão nesta rubrica. Gostaria, desde logo, que ficasse bem assente que não há uma contradição insuperável entre, de um lado, a evolução do cosmos e da vida, e, de outro lado, a acção divina de criação de tudo o que existe.
De facto, Deus também poderá estar a agir, embora não exclusivamente, através das leis naturais que, em parte, regem o processo evolutivo na senda do surgir de seres cada vez mais capazes de partilharem,
conscientemente, da Sua felicidade e alegria. Neste sentido, a evolução pode mesmo ser considerada como uma, mas não a única, das formas pelas quais Deus está a criar continuamente todas as coisas existentes.
Na verdade – e não querendo aqui sugerir que a interpretação que darei às duas próximas passagens bíblicas é a única possível, nem desejando sequer enveredar pelo concordismo –, a própria Escritura insinua o que acabei de mencionar. Senão vejamos: por um lado, o seu texto não diz que Deus criou cada espécie separadamente, antes, sim, que o Criador disse: «que a terra produza seres vivos» (Gn. 1,24).
Por outro lado, Jesus, de acordo com o que refere o “Evangelho de João”, afirmou que «o meu Pai , e Eu também» (Jo. 5,17). A ser assim nós, cristãos, podemos aceitar, sem problema algum, a articulação entre a evolução científica e a criação teológica.
Eis algo que nos permite continuar a afirmar, com confiança, que o existente não é aleatório, antes ordenado e, assim, inteligível e cognoscível, também como via de conhecimento do Criador (cf. Sab. 11,21; Sir. 42,21; Rm. 1,20); é belo, bom e amado pelo Criador (cf. Gn. 1,31; Jo. 3,16); e, contra o que sustentam algumas filosofias orientais e alguns teóricos oníricos contemporâneos, é real e não uma ilusão, pois Deus, sendo o criador de todas as criaturas (cf. At. 14,15), não nos engana (cf. Hb. 6,18).