
A História pesa sempre na construção da identidade de um país. Em alguns casos, ela é mesmo invocada como factor decisivo na definição da consciência nacional de qualquer povo, e mesmo como primeiro e último argumento para a reivindicação da sua independência.
Por António José da Silva
É por isso que a invocação da História serve muitas vezes para justificar conflitos e guerras mais ou menos duradouras e graves, como ainda acontece nos dias de hoje. Nos últimos tempos, a prova mais visível e dramática desta afirmação foi a guerra do Kosovo cujas sequelas não foram ainda totalmente ultrapassadas, apesar da paz imposta há dez anos pela comunidade internacional.
Foi uma guerra em que os principais contendores, sérvios e albaneses, sempre invocaram a História como motivo principal para as suas tensões. Já na actualidade, o caso mais recente de um conflito grave que tem a ver com a História, mas que por enquanto ainda é só diplomático, é o que diz respeito à Crimeia.
E classificamo-lo como conflito grave, porque mexe com os interesses e princípios antagónicos dos Estados Unidos, da União Europeia e da Rússia, para além da Ucrânia, naturalmente. A Crimeia é uma península de vinte e seis mil quilómetros quadrados e dois milhões de habitantes. Situa-se mo leste da Europa e a sua soberania é reivindicada pela Ucrânia e pela Federação Russa. Trata-se de uma disputa que assume contornos particularmente graves, por via do contexto internacional em que surgiu..
Vladimir Putin sabe utilizar habilmente situações como esta para explorar o sentimento nacionalista e patriótico do povo russo. Não foi sem motivo que o presidente russo se deslocou recentemente àquela península para celebrar em clima festivo o quinto aniversário da sua anexação por Moscovo. A História confirma que a Crimeia tem uma forte ligação à Ucrânia e à Rússia.
Em 1783, a península foi conquistada e incorporada no Império Russo. Em 1917, tornou-se uma república autónoma da então criada União Soviética. Finalmente, em 1954, Nikita Krushev entregou a sua soberania à Ucrânia como prova da amizade indestrutível entre os dois países. No entanto, a proclamada solidez dessa amizade não resistiu, por um lado, à queda do império soviético e, por outro, à aproximação que a Ucrânia começou a fazer ao Ocidente, desde então.
Foi uma aproximação que Moscovo interrompeu há cinco anos, o que valeu a Putin um aumento substancial da sua popularidade entre os eleitores russos. Segundo a propaganda de Moscovo, a Crimeia terá sido mesmo a berço da Rússia, uma tese que, na perspectiva dos ucranianos, não passa de uma instrumentalização da História.