Simulacro de Sacramento

Walter Kasper, no seu livro sobre a Misericórdia, entre as causas da crise persistente do Sacramento da Penitência, aponta: «numerosos cristãos mais jovens têm hoje reparos a fazer a este sacramento porque nunca o experimentaram» (p. 201).

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Numa igreja da nossa cidade do Porto, abeirou-se do confessionário um adulto jovem. Quando, no acolhimento, o padre lhe perguntou quando se tinha confessado pela última vez, respondeu: «Eu nunca me confessei…». «E fizeste a primeira Comunhão?» – retorquiu o confessor. – «Sim, Senhor Padre. E costumo ir à Missa ao Domingo e comungar. Sabe: na minha freguesia o pároco não confessa; dá absolvições coletivas. Mas eu não sei se isso vale».

A paróquia desse penitente não é caso único. Uma variante destas ditas «absolvições coletivas» é o de celebrações penitenciais em que, sem ser dada oportunidade aos fiéis para a confissão individual, estes são convidados a aproximar-se do padre que lhes dá a absolvição (?) individualmente. Justifica-se este simulacro de sacramento dizendo que é esse o futuro da Igreja e que o que conta é a consciência de cada qual (sic!). E é apodado de «fariseu» quem se atreva a recordar a doutrina e disciplina oficial da Igreja…

Há autênticas romarias de fiéis oriundos de outras paróquias que vão à procura desse perdão sem custo. E quem fica mal são os párocos vizinhos que querem desempenhar fielmente o ministério da reconciliação, em conformidade com a missão recebida da Igreja, segundo a exortação insistente e o exemplo – bem recente – do Papa Francisco e dos nossos Bispos.

Valha a verdade que também só se deixa enganar quem quer ser enganado… Porque,  quando o caso é sério e a consciência aperta, a qualidade do «perdão» adquirido nesses «saldos» deixa dúvidas e não sossega o coração inquieto dos pecadores desejosos de reconciliação e de paz. Mas muitos fiéis – as novas gerações – correm o risco, referido pelo Cardeal Walter Kasper, de crescerem sem fazer a experiência efetiva deste Sacramento.

Por isso, recordemos: «o único meio ordinário pelo qual o fiel, consciente de pecado grave, se reconcilia com Deus e com a Igreja» é a confissão individual e íntegra e a absolvição (CDC cân. 960). A absolvição, sem prévia confissão individual, só pode acontecer licitamente nas condições previstas no cân. 961 do Código de Direito Canónico:

– iminente perigo de morte sem sacerdotes disponíveis nem tempo suficiente para a Confissão individual;

– necessidade grave devida à desproporção entre o grande número de penitentes e a escassez de confessores, daí resultando para os fiéis, sem culpa própria, a privação por tempo excessivo da graça sacramental e da comunhão.

Note-se que, nos termos do mesmo cân. 961, é competência exclusiva do Bispo Diocesano avaliar se estão preenchidas essas condições e, consequentemente, autorizar a título excecional a absolvição sacramental dos penitentes sem prévia confissão individual. Mesmo nesses casos excecionais, persiste a obrigação de o penitente assim absolvido de culpas graves, se aproximar da confissão individual antes de receber nova absolvição sem confissão; e disso deve ser advertido… Não consta que estas autorizações episcopais sejam frequentes. Estamos, pois, perante celebrações seguramente ilícitas e, provavelmente, inválidas.

Inválidas, porquê? Porque para haver sacramento não basta a intervenção do ministro… Quando nos libertaremos do clericalismo! Do mesmo modo que não bastam as palavras da fórmula batismal, sem a ablução com água, para haver Sacramento do Batismo, assim também sem os atos do penitente, que corporizam a conversão [e que são o correspondente à “matéria” deste sacramento personalíssimo], não há Sacramento da Reconciliação. De facto, faz parte da essência deste sacramento da conversão a realização, por parte do penitente, de determinados atos que são pressuposto da intervenção ministerial da Igreja (absolvição). Entre esses atos do penitente, sem os quais não há Sacramento da Penitência, está a confissão. Consequência: falando em termos gerais devemos dizer que, sem confissão, não se faz a experiência sacramental do perdão que liberta efetivamente o pecador e lhe restitui a paz e a alegria da salvação.

Não foi sem motivo que o Concílio de Trento afirmou a necessidade da confissão integral de todos os pecados graves de que se tenha consciência. E o mandamento da Igreja obriga todo o fiel, a partir da idade da razão, a confessar os pecados graves de que tenha consciência ao menos uma vez em cada ano. E quem estiver cons­ciente de ter cometido um pecado mortal, não pode comungar sem antes receber a absol­vição sacra­mental, a não ser que tenha um motivo grave para o fazer e não lhe seja possível confes­sar-se. A disciplina da Igreja também exige que as crianças recebam o sacra­mento da Penitência antes de fazerem a «primeira Comunhão» (CDC can. 914).