Argélia: um futuro perigosamente incerto

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A causa das coisas

Por António José da Silva

Embora sem motivar ainda uma grande preocupação na opinião pública internacional, pode dizer-se que a situação que se vive na Argélia apresenta hoje riscos muito sérios para a estabilidade social e política daquele país. Tendo em conta a sua superfície de mais de dois milhões de quilómetros quadrados e a sua população de mais de quarenta milhões de habitantes, e atendendo sobretudo à sua capacidade de produção e exportação de petróleo e de gaz, a Argélia é justamente considerada como uma potência daquela região do Magrebe. No entanto, esse estatuto não tem garantido à maior parte da sua população o usufruto equitativo dos benefícios dessa riqueza.

De qualquer modo, o grande problema que ameaça o país é hoje mais político do que económico. Os protestos populares que se vêm repetindo todas as sextas, como aconteceu na última, visam a cúpula do regime e particularmente o seu presidente, Bouteflika, um homem gravemente doente que já não consegue falar nem andar normalmente. Mesmo assim, regressado que foi há pouco de um internamento hospitalar no estrangeiro, fez questão de anunciar o seu propósito de se candidatar a um novo mandato presidencial, o quinto. A reacção popular a este anúncio foi suficientemente forte para o obrigar a desistir da ideia, mas não chegou para ele anunciar uma data para abandonar o poder.

O apego ao poder não é sempre e só da responsabilidade exclusiva e quem o exerce durante muitos anos. Esse apego até pode ser legítimo, mas corre sempre o perigo de transformar num vício que cega ao ponto e não deixar ver que o tempo do seu exercício já passou. Mas esse apego ao poder acaba também por se transmitir à corte dos seus amigos pessoais e políticos, cuja lealdade lhe é indispensável para o prolongar, mesmo quando já deixou de ser benéfico para o povo. Nessa altura, já esse apego se terá transformado em vício, um vício a que os amigos também já não conseguem escapar, de tão habituados que estão às benesses do poder. A corte protege o presidente, ao mesmo tempo que beneficia das múltiplas vantagens que a proximidade do poder lhes proporciona.

Bouteflika liderou o estado argelino durante vinte anos, alguns deles bem difíceis. Conseguiu, sobretudo, superar os desafios levantados pelo radicalismo islâmico em crescendo no seu país e no Magrebe, merecendo por isso a gratidão do mundo ocidental. O problema é que, a sua retirada da cena política, seja ela mais breve ou mais difícil, levanta um cenário de perigosa incerteza. Para a Argélia, mas não só…