
Creio já ter logrado esboçar, ainda que com a grata brevidade inerente a estes meus textos, que nada naquilo que são as leis da natureza, nem no que é a natureza da bem real acção espiritual de Deus no Universo, implica que esta acção seja um absurdo lógico ou rompa tais leis.
Por Alexandre Freire Duarte
De igual modo, acredito ter conseguido atestar que existem acções espirituais que, sendo dotadas de um propósito valorativo e mesmo quando interferindo com a matéria, não são descritíveis pelas ciências naturais. Resta-me, agora, rematar alguns fios que, também por causa daquela aduzida brevidade, ficaram soltos.
Peguemos novamente no exemplo que dei acerca da pessoa que, ao proteger a sua cabeça da chuva, impede que a mesma fique molhada. É inegável que tal acção espiritualmente deliberada, embora não rompa as leis da natureza, comporta a introdução de um elemento que modifica o que era esperado pela lei natural que diz que a chuva a cair numa cabeça destapada, molha-a. Esta mudança suplementa a causalidade somente física.
No caso das acções espirituais do Deus-Amor na Sua Criação (e esta maiúscula, ao contrário do que afirmaram, não é sinal de uma qualquer personificação ou divinização de tal Criação, mas o modo teologicamente comum de se distinguir o conjunto das criaturas – a Criação – da acção divina de criar – a criação –), as mesmas comportam uma modificação que implementa um novo ímpeto em direção ao desígnio derradeiro da Criação. A saber: a plena e consciente comunhão de vida com o Criador, que tem o seu primeiro passo na Sua primeira, mas não necessária, acção espiritual: o suscitar, de fora do espaço e do tempo, aquele que foi o primeiro momento de um Universo suscitado também de modo a permitir aquelas acções que, desse modo, não são “interferências”.
Verifica-se, por conseguinte, que a acção de Deus no Universo, também a partir de dentro das leis que Ele terá voluntariamente elegido para que naquele pudessem surgir seres capazes de partilharem a Sua felicidade no amor, não é arbitrária. Ela, não rasgando os padrões naturais existentes, antes nutrindo tais padrões de um novo ímpeto espiritual, só surge para Ele, tendo em vista aquele fito, por um lado, minorar as consequências do desamor e, por outro lado, incrementar as do amor.
E isto, sempre dentro da matriz por Si desejada de uma colaboração humana que faz da história das acções de Deus na Criação, desde as inspirações amorosas mais subtis às maiores acções fora do comum (como a concepção virgem de Jesus no seio de Maria e as manifestações históricas da ressurreição de Jesus), a narração de como Ele procura levar-nos a co(m)-criar estados de beleza, bondade e verdade que capacitem o Universo a, um dia, poder aceitar ser abraçado pelo Amor.