Um caminho para uma Páscoa do equilíbrio da natureza e da pessoa

Por estes dias quaresmais são-nos frequentemente lembradas mensagens  em tons  diversos, para a vivência deste tempo, tanto  do Papa Francisco como de outras fontes marcadas pelo mesmo espírito.

Por M. Correia Fernandes

Todos temos conhecimento, tanto os responsáveis (como o Papa, os Bispos e os membros mais empenhados das comunidades cristãs), e é bom que os cristãos tenham também disso uma consciência sempre atualizada, e a transmitam aos outros, que a Quaresma só se entende como caminho da Páscoa. Os quarenta dias, sugeridos pelos quarenta anos do Êxodo e sobretudo pelos quarenta dias da oração de Jesus no deserto, para onde se retirou após o seu Batismo no Jordão, devem tornar-se um tempo de meditação e de preparação para a celebração dos mistérios pascais, o centro de toda a vida litúrgica da Igreja que deve significar o centro de toda a vivência dos cristãos.

A Quarema-Páscoa entende-se assim como  um tempo liturgicamente central, como central deve ser nos contextos da  vida humana. As propostas bíblicas de reconciliação, de conversão, de vivência interior, de busca de equilíbrio pessoal, de tranquilidade de espírito, de paz íntima e vivenciada, e de uma alegria feliz, são este ano de novo proclamadas e completadas pelas palavras do Papa Francisco.

A sua mensagem para a Quaresma de 2019 trouxe duas novidades até aqui não especialmente referenciadas nas mensagens papais: uma, a dimensão ecológica, a força e a dinâmica da lei de Deus gravada no coração do homem e na natureza, cuja consciência “beneficia também a criação”, cooperando para o seu equilíbrio; outra, a de que a conversão não é apenas pessoal, mas igualmente social e cultural.

Em sentido inverso, acentua o Papa que a presença do pecado no mundo constitui uma “força negativa” que ameaça a harmonia gerada pela redenção. A esta dimensão contrapõe “a força sanadora do arrependimento e do perdão”. Neste sentido toda a criação é chamada a sair “da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus”, como afirma S. Paulo.

Esta é uma visão atualizada do sentido da conversão: não é apenas uma atitude individual, do foro íntimo de cada um, como por vezes se ouve afirmar acerca da religião e para onde se pretende limitar o seu sentido. Toda a conversão pessoal é uma força social e uma atitude cultural. Uma humanidade marcada pela espírito de reconciliação será levada a abandonar “o egoísmo, o olhar fixo em nós mesmos”, e voltar-se para a Páscoa de Jesus, como primícias de uma sociedade nova, marcada pelo sentido da justiça, da equidade, da entreajuda, da colaboração entre os diversos sectores sociais. É esta cultura social que importa valorizar, a ela se deve o entendermos que a Quaresma não é apenas um conjunto de momentos religiosos, mas uma dinâmica transformadora da sociedade.

É também neste sentido que a Comissão Nacional Justiça e Paz propõe à sociedade um conjunto de princípios que devem orientar socialmente  a vivência deste tempo, assim enumerados: o relacionamento equitativo entre o individual e o coletivo; um relacionamento equilibrado entre os direitos e as responsabilidades; a busca da frugalidade em contraposição com a ânsia do consumismo; a criação de novas “cadeias de solidariedade”; o considerar e transformar a política em serviço ao bem público. Esta é uma boa meditação para os agentes políticos e partidários, que poderiam neste tempo substituir a agressividade pelo entendimento e colaboração na procura de novas soluções.

Curiosamente, esta proposta de justiça e paz, nas suas implicações sociais e comportamentais, termina com o apelo à oração, “olhando o horizonte amplo das nossas vidas”. Fazer oração é também uma atitude social e civilizacional.