
Quaresma 2019: 40 dias para chegar a bom porto! Aceitando o repto lançado pela Diocese do Porto para assinalar a caminhada até à Páscoa – 40 dias para chegar a bom porto! – a sala do Centro Interpretativo do Vinho Verde, em Gatão, encheu-se para uma conversa que desafiou os convidados e a assistência a “sair da sua zona de conforto” e a descobrir diferentes caminhos para chegar ao mesmo lugar.
Tendo como inspiração a figura paradigmática do profeta Jonas e a sua relutância em seguir a missão que Deus lhe tinha confiado, Miguel Carvalho moderou uma interessante conversa entre quatro convidados, cujo único ponto em comum era o de “estarem afastados da Igreja e da religião”.
Com percursos e experiências de vidas completamente distintos, os quatro convidados partilharam com a assistência o seu testemunho sobre a Igreja e o papel que esta desempenha na sociedade atual, a relação que mantêm com a religião e com a Fé, o que os aproxima e o que os afasta, o que é ser ou não praticante, entre muitos outros aspetos.
Carlos Gallo, designer de profissão e pai de dois filhos foi um dos convidados para esta conversa. Confessa que, durante a infância, todo o seu percurso foi feito dentro da religião católica. Observador, gosta de estar atento ao mundo que o rodeia e ao que vai acontecendo na sociedade. Considera que no seu dia a dia se cruza muitas vezes com a Igreja. Apresentou-se como não praticante.
Maria do Céu Oliveira, a única mulher a integrar o painel de convidados, é enfermeira e tem uma filha adolescente. Considera-se católica, mas não é “muito praticante”.
José Joaquim Castelo Branco Marinho foi professor e grande parte da sua vida profissional foi dedicada ao trabalho com deficientes mentais. Tem filhos, netos e é divorciado.
António Ramalho de Almeida é médico pneumologista. Tem 79 anos e ainda exerce, sobretudo pela paixão que tem aos seus pacientes e à profissão. Acredita que a sua missão de vida é ajudar o próximo e, na sua ótica “a medicina é a profissão que mais próxima está de Deus”. Tem três filhos e apesar de os ter educado sobre os princípios orientadores da religião católica, não se considera “muito praticante. As coisas são difíceis”, confessa.
Após a apresentação, Miguel Carvalho parte para uma das questões mais controversas da tarde, questionado os convidados sobre se se consideram praticantes ou não praticantes.
O primeiro a intervir foi José Castelo Branco Marinho que responde, sem qualquer hesitação, que se considera praticante, justificando que teve sempre um percurso próximo à Igreja, já que toda a sua vida se orientou “por uma consciência social e familiar, baseada numa doutrina que não permitira que trouxesse prejuízos materiais e morais a quem convive comigo. Quando sinto que de alguma forma tive uma atitude que ofendeu ou prejudicou alguém eu peço desculpa”, referiu.
Uma opinião que foi consensual e partilhada pelo restante painel: ser Praticante pode ser entendido e pode manifestar-se de diversas formas.
Carlos Gallo, e na sequência da resposta do interlocutor anterior, partilhou as dúvidas que tem em relação ao que se considera ser ou não praticante, destacando o momento particular que a igreja atravessa hoje – com as constantes notícias sobre temas incómodos – e a forma como “pede desculpa quando reconhece que a atitude não foi a correta”. Confessa que passou por várias fases nesta relação com a religião, mas que hoje se sente mais próximo desta nova Igreja que reconhece os seus erros. “Ao longo da minha caminhada percebi que a Igreja queria passar uma imagem de perfeição que era completamente inacessível. Para mim a Igreja é hoje mais sedutora do que era há décadas. Prefiro uma Igreja com mau feitio, mas com bom carácter. Sinto-me mais próximo de uma Igreja que olha para mim de forma igual”, revelou.
Maria do Céu Oliveira considera que, nomeadamente no exercício da sua profissão, é diariamente desafiada a “praticar o bem”, no sentido de ter nas suas mãos a capacidade de contribuir para melhorar a qualidade de vida do próximo. “A ajuda pode ser do ponto de vista terapêutico, mas também do ponto de vista emocional com um conforto ou uma palavra amiga. Neste contexto, sim, considero-me uma católica praticante”, destacou.
As razões apontadas pelos convidados para o afastamento da Igreja são variadas. O médico António Ramalho confessa que foi uma série de situações que conduziram a um certo afastamento, contudo considera que “esta separação nunca colocou em causa os meus sentimentos e a minha relação com a religião”. Considera-se um católico satisfeito já que no exercício da sua profissão, sempre fez tudo o que estava ao seu alcance para melhorar a qualidade de vida dos seus doentes. Destaca ainda a tolerância e o saber fazer o bem como as qualidades mais importantes da religião católica.
Socorrendo-se da gíria futebolística, o Professor Castelo Branco considera que há duas categorias de católicos: os adeptos e os devotos, em que os segundos têm de cumprir um conjunto de obrigações e ritos que os primeiros “desvalorizam”. A sua religião é Cristo, revendo-se em tudo o que este disse e fez.
Questionada sobre o que a afasta ou aproxima da igreja, Maria do Céu Oliveira refere que diariamente se sente próxima de Deus, no sentido em que respeita a individualidade de cada um, realçando ainda a necessidade de refletirmos em relação ao que se passa na nossa vida.
Desfiados a partilhar com a assistências as suas referências da Fé, Carlos Gallo não teve dúvidas em afirmar que são os dois filhos, confessando que foi a partir do momento em que se tornou pai que descobriu novas nuances na Fé.” Quando penso na Fé penso nos meus filhos. Eles são um sinal natural que nos aproxima de Deus e da Igreja”.
O pároco Custódio Rocha encerrou a sessão com uma breve intervenção destacando a enorme satisfação pela realização da iniciativa e pela forma como esta foi acolhida pela comunidade, deixando para reflexão “a necessidade de termos verdadeiros testemunhos. O mais importante na vida é Fazer!”, referiu.
(texto Dina Coelho, foto Andreia Sousa)