
Aduzi anteriormente que Deus, na Sua acção espiritual no Universo, não necessita de romper com as leis da natureza. Nem sequer nos casos mais extraordinários dessa acção (aquilo a que podemos denominar de “milagres”) precisamos de supor que tais leis são quebradas.
Por Alexandre Freire Duarte
Se assim é, um milagre até pode ser estimado (embora não forçosamente) como uma acção que, suscitada por Deus e de natureza causal espiritual (e não física), potencia a ocorrência de algo que, embora estatisticamente improbabilíssimo, não é, por tais próprias leis, impossível.
É um facto que Deus, sendo Deus (e assim lógico, sobretudo no Amor que Ele é), não pode realizar algo que seja uma contradição, como, por exemplo, fazer com que uma pessoa com um cancro em fase terminal recupere totalmente e, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, fique naqueloutra condição enferma. Mas isso não seria nunca o caso da, bem compreendida, acção espiritual de Deus na Sua criação, quer tal acção fosse incomum (como operar aquela cura), quer fosse discreta e indetectável. Tal acção só seria um contrassenso se se cresse que o Universo é suscitado por Deus como um sistema isolado à Sua intervenção, o que não é o caso.
Deveras, crendo-se num Deus-Amor, tal como os cristãos crêem, o virtualmente impossível seria que Ele suscitasse uma Criação que O impedisse de nela agir ou, então, que Ele Se afastasse e desinteressasse dela. Mas esse não é o caso. E não o é, não só porque a Criação não foi criada há milhões de milhões de anos, antes está a ser criada a cada momento, mas também porque há evidências, de índole pessoal, para, ao acreditarmos em Deus, admitirmos que Deus suscitou um Universo com leis tais que garantam que a Sua intervenção é possível e que, em alguns casos e como ainda referirei mais à frente nesta rubrica, até chega a ser requerida.
É evidente que as ciências naturais, para também poderem funcionar na base da regularidade e da predição decorrentes e descritas pelas próprias leis naturais, não podem considerar causas espirituais que interfiram nos processos por si estudados. Todavia, isso não significa que tais causas (como seria qualquer acção de Deus) não existam. Elas existem sim, por mais que as mesmas não possam ser totalmente explicadas mediante tais regularidades.
De facto, basta olhar para nós, seres humanos, para as constatarmos. Nós, com as nossas decisões pessoais, estamos sempre a interferir com o que seria regular e previsível, mas sem que isso negue a realidade das leis da natureza, ou nem sequer as rompa. Creio que bastará um exemplo singular para ilustrar esta afirmação: qualquer um de nós ficaria com a cabeça molhada se, estando a chover e andássemos num descampado, não protegêssemos, de alguma forma, a cabeça.