Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Referiu-se, neste espaço, o caráter comemorativo do recente discurso do Papa Francisco ao Plenário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos (14 de fevereiro de 2019). Mas o discurso foi muito além disso, devendo considerar-se verdadeiramente programático em relação ao caminho nunca terminado da renovação litúrgica.
Há 50 anos – reconhece o Papa – «a tradição orante da Igreja precisava de expressões renovadas» sem abdicar em nada dos tesouros da tradição antes, pelo contrário, «redescobrindo os tesouros das origens». E foi esse o mote que comandou a reforma dos livros litúrgicos, na busca de um equilíbrio sempre difícil entre tradição e progresso.
Renovados os livros litúrgicos, o que falta ainda? A esta pergunta, Francisco dá uma resposta que se enquadra bem no tempo litúrgico da Quaresma que, entretanto, começou: «para que a vida seja verdadeiramente um louvor agradável a Deus, é preciso mudar o coração». Falta o principal! Os livros, os ordines, os melhores guiões… são apenas o exterior.
A liturgia não são os livros. A celebração litúrgica é o «encontro de vida com o “Deus dos vivos” (Mt 22, 32)». A sua renovação é tarefa que continua em aberto e que deve prosseguir num caminho que se há de caracterizar pela sinodalidade e que, portanto, implica uma «constante colaboração repleta de confiança recíproca, vigilante e criativa, entre as Conferências Episcopais e o Dicastério da Sé Apostólica ao qual compete promover a sagrada Liturgia».
Qual o desafio mais decisivo desse caminho de renovação preconizado por Francisco? O Papa não hesita: formação litúrgica.
Quanto ao programa dessa formação, o Papa parte do realismo da Liturgia que não é teoria, discurso, concetualização abstrata, mas vida e ação. A formação litúrgica – previne Francisco – não deve «resvalar para
estéreis polarizações ideológicas». Entre a tentação do «encerramento num passado que já não existe» e a de «fugir para um futuro imaginário», o caminho válido há de partir do reconhecimento da «realidade da sagrada liturgia, tesouro vivo que não pode ser reduzido a gostos, receitas e correntes, mas deve ser acolhido com docilidade e promovido com amor, enquanto alimento insubstituível para o crescimento orgânico do Povo de Deus». É este são realismo litúrgico que permite fazer um indispensável discernimento:
«A liturgia não é “o campo do faz por ti mesmo”, mas a epifania da comunhão eclesial. Por isso, nas orações e nos gestos ressoa o “nós” e não o “eu”; a comunidade real, não o sujeito ideal. Quando se lamentam nostalgicamente tendências passadas ou se querem impor tendências novas, corre-se o risco de antepor a parte ao todo, o eu ao Povo de Deus, o abstrato ao concreto, a ideologia à comunhão e, no fundo, o mundano ao espiritual».
E então, sim: formação litúrgica do Povo de Deus. «A tarefa que nos espera é essencialmente a de difundir no Povo de Deus o esplendor do mistério vivo do Senhor, que se manifesta na liturgia». Primeiramente, é preciso ajudar o Povo de Deus «a tomar consciência do papel insubstituível de que a liturgia se reveste na Igreja e para a Igreja». Quão distantes estamos – falando em termos gerais – dessa consciencialização! Em seguida – e em simultâneo, porque também aqui é caminhando que se faz o caminho, no dizer do poeta – é necessário e urgente «ajudar concretamente o Povo de Deus a interiorizar melhor a oração da Igreja, a amá-la como experiência de encontro com o Senhor e com os irmãos e, à luz disto, redescobrir os seus conteúdos e observar os seus ritos».
«A fim de que a liturgia possa cumprir a sua função formadora e transformadora, é preciso que os Pastores e os leigos sejam introduzidos na compreensão do seu significado e linguagem simbólica, incluindo a arte, o canto e a música ao serviço do mistério celebrado, e também o silêncio».
É, pois, preconizada a via mistagógica: «eis uma via idónea para entrar no mistério da liturgia, no encontro vivo com o Senhor crucificado e ressuscitado. Mistagogia significa descobrir a vida nova que no Povo de Deus recebemos mediante os Sacramentos, e redescobrir continuamente a beleza de a renovar».
Urge ainda mais o trabalho na formação inicial e, sobretudo, permanente do clero e dos leigos. «Quanto aos ministros ordenados, mesmo em vista de uma sã ars celebrandi, vale a recomendação do Concílio: “É absolutamente necessário dar o primeiro lugar à formação litúrgica do clero” (SC 14). O primeiro lugar». Para Francisco,
o Concílio continua a valer.