Ciências naturais e a fé cristã (17) Leis da natureza e acção divina (I)

Um dos temas mais candentes da relação entre a crença cristã e as ciências humanas, deriva da tentativa de se negar a validade de todo um conjunto de comportamentos religiosos, alegando que os mesmos só seriam reais e eficazes, e não somente cridos como tal, se não existissem leis naturais tidas como imutáveis. Negação essa que, no fundo, redunda na alegação de que, sendo tais leis assim entendidas, é impossível toda e qualquer acção de Deus no Universo.

Por Alexandre Freire Duarte

Talvez se possa dizer que na base de tal argumentação, que tentarei desmontar deste texto em diante, está uma linha de ideias que, acabando por negar a existência de causas espirituais, se forma e consolida entre finais do séc. XVI e inícios do séc. XVIII. E isso, graças às reflexões de Francis Bacon, Descartes e Newton (todos eles, por sinal, cristãos mais ou menos convictos).

Tal pensamento será depois usado, em meados de setecentos, por David Hume. Focando-se no caso particular do “milagre”, este aduz que Deus só poderia intervir no Universo, por ele tido como um instrumento com mecanismos inquebráveis, se agisse arbitrária e ilogicamente no mesmo, rompendo com os princípios que Ele mesmo teria instituído para o seu funcionamento. Algo que revelaria que Deus era, ou incompetente (para ter que andar a fazer “remendos”), ou hesitante (não sabendo bem o que queria ou devia fazer), ou, até mesmo, desrespeitoso para com o Universo (desconsiderando o valor deste, mormente iludindo as expectativas dos seres racionais).
Acontece, contudo, que tal objecção fundamenta-se em dois pressupostos que são falsos, e, assim, não se sustentam, nem isoladamente, nem em conjunto.

Por um lado, o milagre, enquanto forma específica e mais patente da acção divina na Criação, não é senão o testemunho de um poder espiritual, decorrente da bondade de Deus, dotado de um sentido espiritual. Por outro lado, e não se negando as leis da natureza, há, desde os inícios do séc. XX (com Einstein, Werner Heisenberg e Edward Lorenz), a certeza de que, embora se observem inegáveis regularidades, tais leis não são deterministas, mas, pelo
contrário, abertas a imponderabilidades decorrentes de condições que só são descritíveis de modo probabilístico ou estatístico.

Ou seja: nada na noção recta de “milagre”, nem na da acção espiritual mais comum de Deus no Cosmos, implica uma ruptura nas leis da natureza, nem estas leis regem de modo absolutamente rígido o que ocorre no Universo. Se assim é, sendo Deus real e Amor e nada mais do que Amor, como nós (e só nós) cristãos professamos, é natural acreditar que o Mesmo pode agir, e age, na Sua Criação, tendo em vista a condução da mesma para Si, de um modo infinitamente respeitador das leis da natureza e do livre-arbítrio humano.