
A informação chegou até nós pela boca do Cónego António Ferreira dos Santos, a partir da sua reclusão no Hospital da Lapa no Porto: Faleceu Georg Jann, penso que no Brasil. Georg Jann nasceu na Alemanha, tendose notabilizado na construção de órgãos de tubos para as igrejas e outros espaços locais, em Regensburg, na Baviera. Foi ali que o Cónego Ferreira dos Santos, lá pelos anos da década de 1980 o descobriu e o contratou para a construção na catedral do Porto de um grande órgão de tubos, que entretanto o Cabido da Catedral, com o apoio do Bispo D. António Ferreira Gomes decidiram instalar.
Os estudos e os trabalhos subsequentes conduziram à instalação definitiva do novo órgão ali edificado, aproveitando o enquadramento da rosácea da catedral e que ainda hoje constitui um ícone da catedral e da cidade. O grande órgão de tubos foi inaugurado em 19 de outubro de 1985, sendo já bispo do Porto D. Júlio Tavares Rebimbas, com um grande concerto pelo organista alemão Franz Lerhndorfer. A bênção e inauguração do novo órgão, construído na Alemanha e instalado na catedral do Porto sob a orientação de Georg Jann (1934-2019), era considerada na primeira página da Voz Portucalense de 24 de outubro de 1985 como “verdadeiro acontecimento cultural e eclesial para a cidade e a diocese do Porto”. No dia seguinte celebrou-se um solene pontifical de manhã e um concerto “non stop” durante toda a tarde.
A notícia registava que “Nunca em tão pouco tempo a Sé Catedral do Porto conheceu tão movimentada e variada afluência de pessoas”. Este instrumento era considerado pelo Cónego Ferreira dos Santos, na conferência de imprensa que divulgava o evento, “Padrão da qualidade da música que a Igreja deve praticar”, afirmando que “O sagrado sem a arte não logra atingir a massa dos homens, a arte sem o sagrado é absorvida pela técnica”. Instrumento construído ao estilo barroco, de uma sonoridade excepcional, serviu a numerosos intérpretes nos anos subsequentes até à atualidade, para concertos de órgão que costumam encher a catedral, por ele tendo passado alguns dos grandes organistas europeus, como Marie Claire Alain, Olivier Latry e Franz Lerhndorfer, e os portugueses João Vaz, António Esteireiro, João Paiva, Filipe Veríssimo, Tiago Ferreira ou Rui Soares.
O início de uma caminhada organística
A dimensão maior deste órgão da Sé do Porto foi o de tornar-se o ponto de partida para uma grandiosa caminhada de construção e restauro de grande quantidade de instrumentos semelhantes em toda a cidade e diocese do Porto, e noutros locais. Avulta órgão construído por G. Jann para a igreja de Espinho e sobretudo o que dez anos depois construiu para a igreja de Nossa Senhora da Lapa, no Porto, um grandioso órgão de inspiração romântica, também enquadrado pelo vitral daquela igreja e inaugurado em 7 de julho de 1995, e que tem sido considerado “o maior órgão da Península”, edificado também sob a orientação do Cónego Ferreira dos Santos.
Entretanto o restauro de órgãos históricos na cidade e municípios vizinhos tem como ponto de partida o reconhecimento do órgão histórico do mosteiro de Moreira da Maia, por ele identificado como sendo do construtor alemão Arp Schnitger (16481719), mas estendeu-se depois a vários outros órgãos históricos, como o de S. Lourenço, o da igreja do Senhor de Matosinhos, da Trindade, de Mafamude e da capela das Almas. A atividade de Georg Jann que o levou a fixar-se em Portugal, onde fundou com o seu filho a firma Orguian, na região de Famalicão, orientada para a construção e restauro de órgãos de tubos históricos, e mereceu da parte da Câmara Municipal do Porto um reconhecimento do Município, em 2015, numa sessão solene que reuniu a vereação, o Bispo do Porto D. António Francisco dos Santos e do Reitor da igreja da Lapa, responsável pela presença em Portugal e pelo património, instrumental e cultural, com que se enriqueceu a cidade, o Cónego António Ferreira dos Santos.
Em torno dos órgãos da catedral e da Lapa têm-se realizado em anos sucessivos o “Festival de Órgão do Porto”, com concertos nos vários instrumentos que existem na cidade e nos municípios vizinhos. Ressalta um grande acontecimento, no festival realizado em 2015, designado “A revolta dos Órgãos”, uma composição para nove órgãos e percussão, da autoria de Jean Guillou (1930-2019, recentemente falecido), realizado na igreja da Lapa, nos vinte anos do órgão construído por G. Jann, sob a direção do organista e maestro Johannes Skudlik .
Após a notícia da morte de G. Jann, um movimento de raiz cultural e de cidadania pensa organizar uma homenagem a esta figura determinante na valorização artística e cultural da cidade e da região do Porto.
(CF)