Editorial: Caminhos perigosos para enfrentar o mal

O chamado “bode expiatório” é uma forma de resolução dos conflitos e de atalho dos males. É conhecido na Bíblia e que tem sido tratado pelos estudos da religião.

Por Jorge Teixeira da Cunha

Trata-se de uma forma de descarga, sobre uma vítima, da agressividade acumulada na comunidade ou dos males que grassam nela. A vítima pode ser uma animal ou um ser humano, culpado ou não dos males que se quer afastar, que os toma simbolicamente sobre si. Desse modo se restabelece o equilíbrio. Ora esse mecanismo está longe de ser eficaz como forma de reconciliação e de superação do mal.

Tanto a sociedade de hoje como a Igreja parecem estar a recorrer a este velho mecanismo para resolver os seus conflitos. Vemos isso na forma de acusar alguns culpados de corrupção, tornando-os simbolicamente responsáveis por todos os crimes, os deles e os dos outros. Mas mesmo na Igreja isso pode suceder a propósito dos crimes de pederastia que têm vindo a lume.

Ora tal forma de proceder está longe de ser eficaz para resolver crimes e pecados. Por isso, aos olhos da teologia é necessário pensar o assunto e advertir para a sua ineficácia tanto na sociedade como na Igreja. Está fora de dúvida que a reconciliação é o único caminho para superar o pecado, o crime e o mal e que, em todas essas situações, se trata de converter pessoas mediante a retribuição, o perdão, e a devida expiação pelo sofrimento das vítimas. Em todo o processo, trata-se de uma transformação pessoal, um saneamento das relações humanas, mediante o perdão, e uma conversão operada pela bondade divina.

É por isso que o recurso ao mecanismo da descarga irracional dos castigos sobre vítimas expiatórias é uma forma de encobrir o mal, de o camuflar e de o perpetuar. Uma sociedade que confia nessa forma de extirpar os males está equivocada. Quem cometeu crimes tem de pagar pelo que fez, mas “nos homens julgam-se os homens e nada mais”, segundo uma velha expressão de D. António Ferreira Gomes. O que se tem visto na comunicação social nos tempos recentes, descarregando sobre algumas personagens toda agressividade contra a corrupção, é uma prática expiatória devedora deste esquema mitológico. Isso não é fazer justiça. A mesma comunicação tem feito a respeito dos crimes de pederastia na Igreja algo semelhante.

Perante isso, torna-se necessário propor uma via de enfrentar o mal que seja assente no perdão, na identificação clara dos crimes, na aplicação de penas racionais, proporcionadas e pedagógicas que sejam aptas para reabilitar as vítimas e também para salvar os criminosos. Isso compete aos tribunais mas não só. Compete também a uma prática penitencial. Esta é da competência da Igreja que não pode deixá-la por mãos alheias, quer em relação aos seus membros quer como proposta de um discernimento lúcido da sua pregação à sociedade em que vivemos. Pois a Igreja sabe que há formas de fazer justiça que multiplicam o mal e deixam escapar muitos culpados. Mas não pode esquecer que o Evangelho da conversão é o segredo do perdão e da reconciliação que são a única forma de colocar um dique ao mal que sempre afecta as coisas humanas.