Lembrando Frei Agostinho da Cruz (1540-1619)

Nos 400 anos da sua morte.

Consultando uma História da Literatura Portuguesa, ou um Dicionário da mesma, encontraremos sempre a apresentação do poeta Frei Agostinho da Cruz (1540-1619) como uma das figuras de referência da poesia portuguesa do século XVI e início do séc. XVII.

Contemporâneo mais novo de Luís de Camões (1525-1580), tinha 40 anos quando o épico foi sepultado no cemitério de Santa Ana, “da banda de fora chãmente”, como garante outro contemporâneo, o historiador Diogo do Couto (1540-1616). Foi longa a vida de Agostinho da Cruz, de quase 80 anos, coisa rara nesse tempo. Certamente o seu nome terá inspiração no nome do místico espanhol, também seu contemporâneo S. João da Cruz (1542-1591), um clássico da espiritualidade e das letras em língua castelhana.

Ocorre então neste ano de 2019 a efeméride dos 400 anos da sua morte. Era minhoto, de Ponte da Barca, nas margens do rio Lima, teve por nome de Batismo Agostinho Pimenta, e era irmão mais novo de outro dos grandes poetas de quinhentos: Diogo Bernardes (1530-1605), cujas obras muitos aproximam do estilo e mesmo da inspiração camoniana. Ambos vieram até Lisboa, Diogo foi cavalheiro e funcionário Régio, terá estado na expedição de Alcácer Quibir e depois tabelião na sua terra, de cuja inspiração nasceram os livros clássicos “O Lima” (1633), composto de éclogas e cartas poéticas, e “Rimas várias e Flores do Lima” (1597), em que predominam os sonetos.
Agostinho tornou-se religioso franciscano, vivendo primeiramente no convento da Ordem em Sintra e transferindo-se depois como eremita para no convento da Arrábida, na península de Setúbal, na envolvência natural daquela “fresca serra” aina hoje inspiradora.

Ambos os irmãos têm as suas raízes poéticas no espírito clássico, mas são já esteticamente marcados por tendências maneiristas e barrocas, que não só não prejudicam mas valorizam a expressão poética, marcada pela natureza e pelo universo espiritual.

Os escritos de Frei Agostinho só mais tarde foram transcritos em livros, dando origem a colectâneas de uma poesia que parte do canto da natureza e das emoções, para a interiorização do canto espiritual, bem marcado nos títulos dos escritos que deixou e que já em 1771 deram origem a uma colectânea, oferecida a Frei Manuel do Cenáculo, com o título “Varias poesias do veneravel Padre Fr. Agostinho da Cruz, religioso da Província da Arrabida”.

Com base nestas “Várias poesias” e outras, o professor e crítico Mendes dos Remédios organizou uma reedição em 1918 (“Obras de Frei Agostinho da Cruz, conforme a edição impressa de 1771 os códices manuscritos das Bibliotecas de Coimbra, Porto e Évora”, com prefácio e notas de Mendes dos Remédios. Foi publicado em Coimbra, por França Amado – editor, em 1918. Na ampla introdução de 56 páginas, Mendes dos Remédios faz um percurso da sua vida e afirma: “Fr. Agostinho da Cruz não merece o quase esquecimento em que jaz aos olhos da nossa geração; como homem é um nobre exemplo de virtudes, como escritor merece um lugar de destaque entre os que como seu irmão [Diogo]Bernardes,[Pero de Andrade] Caminha, [Francisco Sá de] Miranda, [António]Ferreira e tantos mais souberam cimentar a grandeza literária de Portugal”.

Agostinho da Cruz é também referenciado numa obra com o título “Espelho dos penitentes e Chronica de Santa Maria da Arrábida”, da autoria de Fr. Antonio da Piedade e dedicado a D. João V (1728). Os seus escritos figuram merecidamente em diversas antologias da poesia portuguesa. Uma breve atenção às poesias de Agostinho da Cruz lembra que na sua juventude seguiu os caminhos da poesia profana que depois rejeita:

Os versos que cantei importunado Da mocidade cega a quem seguia Queimei (como vergonha me pedia) Chorando por haver tão mal cantado…
Também o tempo da composição é assim definido:
Na ribeira do Lima em tenta idade Por dar algum remédio a meu defeito.

Como foi na Arrábida que encontrou a sua paz e quietação espiritual, escreveu:

Agora que de todo despedido Nesta Serra da Arrabida me vejo De tudo quanto mal tinha entendido. Com mais quietação, livre desejo, Nella quero cavar a sepultura, Que não junto do Lima, nem do Tejo.

As fontes de Mendes dos Remédios são referenciadas na introdução, entre as quais um manuscrito portuense, pertencente à Biblioteca Pública Municipal do Porto, que lhe fora revelado por Carolina Michaelis de Vasconcelos, “a qual nos forneceu cópia das poesias que vão insertas neste nosso volume”. A amizade fraterna profunda ao irmão Diogo Bernardes, falecido 15 anos antes dele, está patente no seu epitáfio que Agostinho escreveu:

Ei vi do céu na terra a formusura No vestido dum pobre peregrino Da terra para o céu voar segura Fosse minha ventura ou seu destino: Por minha mão lhe dei a sepultura.

A poesia de Agostinho da Cruz utiliza os modelos e as formas da literatura clássica do seu tempo: o soneto (escreveu cerca de uma centena). éclogas (poesia de enquadramento pastoril mas abordando os mais variados dramas humanos), e elegia ou poesia lamentosa, a ode ou poesia laudatória, a poesia narrativa sob a forma de oitavas, a carta poética e mesmo a poesia sujeita a mote na fórmula tradicional. Porém, a temática deriva sempre para o sentido e os valores espirituais da vida, o fundo relacionamento humano, os mistérios da Paixão de Cristo, os louvores e os mistérios de Maria. Certamente este pendor místico e religioso terá feito esquecer a fundura do seu sentimento e a riqueza da sua expressão.

Anuncia-se agora a publicação de uma “ampla antologia”, para marcar os 400 anos da morte, que se assinalam em 14 de março, e os 480 anos do seu nascimento em 2020. Esta “ampla antologia” de “um dos maiores poetas de língua portuguesa”, tem o patrocínio da diocese de Setúbal e é organizada pelo escritor, poeta e investigador Ruy Ventura e será publicado nas edições Licorne.

Entre as iniciativas anunciadas para lembrar o poeta e místico encontra-se um recital de poesia, no convento da Arrábida (atualmente propriedade da Fundação Oriente, que será mecenas da publicação).
A 1 de junho realiza-se um colóquio sobre a vida e obra do poeta, que decorrerá em Sintra, onde o Frei Agostinho viveu mais de 40 anos.

Está também prevista uma conferência, em Setúbal, proferida pelo bibliotecário e arquivista da Santa Sé, o arcebispo D. José Tolentino Mendonça, agendada para janeiro de 2020.

(CF / inf. pastoral da Cultura).