Por Ernesto Campos
“Cada homem rico custa
centos de miseráveis”
Almeida Garrett
Nos anos noventa do século passado, o governo de António Guterres instituiu um rendimento mínimo garantido para quem náo umtivesse meios de subsistência. A medida foi aplaudida geralmente como justíssima; seria, se não a erradicação total da pobreza, a forma de atenuar situações de miséria extrema. Outros, porém, ao nível de alta esfera política, preveniam que a medida já fora ensaiada no estrangeiro com resultados negativos porque promoveu o ócio e a preguiça. E testemunhos pessoais confirmavam isso. Ao procurar alguém que lhe tratasse do quintal, o ancião já incapacitado ouviu uma cruel resposta – ó meu senhor, eu quando me levanto já ganhei o dia, tenho o rendimento mínimo garantido.
O atual rendimento social de inserção tem igualmente o propósito de garantir que ninguém esteja privado do mínimo indispensável para sobreviver. Impõe condições e obrigações, a primeira das quais é, se possível, procurar trabalho, que permitiria inserir-se socialmente como elemento produtivo. É o máximo que a sociedade poderia conceder: apoio em troca de esforço. Com efeito, a ideia de reciprocidade é inerente à própria democracia – toma lá dá cá, o que parece muito justo mas afinal não assegura a igualdade na fruição nos bens da vida. Há beneficiários do rendimento social de inserção, além dos que estão dele excluídos, em situação de pobreza ou no limiar dela, nomeadamente por condicionamentos burocráticos que ignoram situações específicas.
Em 2017 realizou-se em Lisboa um congresso para discutir um tema insólito: atribuir a todos os cidadãos um rendimento de forma regular e incondicional. A ideia tinha cabimento na Utopia, de Thomas More, mas não na realidade destes tempos de conflito feroz de luta pela vida. Daí a curiosidade pública sobre o tema – um rendimento incondicional? Para todos? Sem obrigação de trabalhar? Tudo se reduz a duas perguntas cruciais: seria justo que se pagasse a quem não quer trabalhar? Quem financiaria?
O caso é que se têm desenvolvido aprofundadas reflexões sobre a matéria e até realizado experiências, e outras estão em curso, nos EUA, na África, na Ásia e na Europa.
Quanto à justificação ética, os especialistas da matéria apresentam um argumento irrespondível: nem todos os bens são fruto do nosso trabalho produtivo, antes resultam de herança que o progresso da humanidade nos legou, bens que, portanto, devem ser distribuídos por todos, em termos de justiça distributiva.
Sobre as vantagens e as experiências mais ou menos bem sucedidas aponta-se que na perspetiva da ética social este rendimento básico incondicional possibilitaria: erradicar a pobreza quase totalmente, diminuir as desigualdades, potenciar o nível de liberdade e de trabalho por vocação. Sobre a viabilidade de financiamento argumenta-se com um diferente arranjo das atuais prestações sociais, do rendimento social de inserção e taxação do grande património mobiliário e imobiliário.
Diríamos que uma tal política exigiria um amplo consenso; mas, por utópico que pareça, não é de excluir que sobre isso se reflita. É que estatísticas internacionais e organizações não governamentais credíveis indicam que as maiores fortunas do mundo crescem ao ritmo de 2200 M€7dia enquanto a pobreza aumenta a um ritmo semelhante. E que bastaria aumentar 0,5% dos impostos dos mais ricos para garantir escolaridade e cuidados de saúde a 3300 milhões de pobres.