Cinquenta anos de uma mesa da palavra renovada

No corrente ano de 2019 vai fazer 50 anos uma das mais importantes reformas – porventura a mais decisiva – da «instauração litúrgica» decretada pelo II Concílio do Vaticano: referimo-nos à publicação, com a data da solenidade de Pentecostes de 1969 (25 de maio) do Decreto da Congregação para o Culto Divino que promulgou o novo Ordenamento das Leituras da Missa, com a distribuição por cada dia do ano litúrgico e do calendário das leituras da Sagrada Escritura a inserir nos novos Leccionários. Segundo o referido Decreto, o 1º Domingo de Advento seguinte (30/11/1969) seria o primeiro dia em que o novo Ordo Lectionum poderia ser usado, tornando-se obrigatório à medida que cada Conferência Episcopal o fosse determinando, em função da disponibilidade das edições em vernáculo. Em Portugal, esta disponibilidade concretizou-se nos primeiros meses de 1970.

Esta foi uma reforma realmente querida pelos Padres Conciliares. De facto, o Leccionário incluído no Missal Romano anterior não primava nem pela riqueza nem pela organização. Eram raras as leituras do AT, praticamente ausente da celebração dominical; o Evangelho segundo São Marcos era quase omitido; na Quaresma, as leituras dos escrutínios batismais tinham sido transferidas dos domingos para dias de semana; as leituras dos Domingos depois do Pentecostes não tinham qualquer conexão interna; importantes episódios e figuras da Bíblia estavam inteiramente ausentes… Essa pobreza levou os Bispos do mundo inteiro a pedir uma leitura mais abundante, mais variada e mais adaptada da Sagrada Escritura na celebração da Missa (SC 35). Este triplo «mais» desejado dá-nos a medida do «menos» experimentado. Impunha-se traduzir na prática o reconhecimento da «importância máxima» da Sagrada Escritura na celebração litúrgica e de fomentar o «suave e vivo conhecimento da Sagrada Escritura» sem o qual não seria possível «promover a reforma, o progresso e a adaptação da Sagrada Liturgia» (SC 24).

É neste contexto que se compreende a decisão de SC 51 rever o Leccionário da Missa com o objetivo de, «num determinado número de anos, se ler ao povo a parte mais importante da Sagrada Escritura». Foi este o pressuposto da criação de um ciclo trienal para o Lecionário Bíblico dominical e festivo e de um ciclo bienal para a primeira leitura no Tempo Comum do Lecionário ferial. Também foram enriquecidas as propostas para as celebrações do Santoral, das Missas Rituais, para diversas necessidades, votivas e de defuntos.

Temos de reconhecer que, hoje, a mesa da Palavra de Deus é posta aos fiéis com bem maior abundância. Basta comparar o volume do anterior Missal (que, para além das orações e do Ordinário da Missa com as suas rubricas, incluía todas as leituras bíblicas!) com o espaço ocupado nas nossas sacristias pelos oito volumes do Lecionário renovado. Em cada Domingo e Solenidade passou-se de duas para três leituras; do Antigo Testamento, antes ignorado, lê-se agora uma leitura (exceto no Tempo Pascal) …

Se falarmos de «variedade», não há comparação possível. Com a adoção dos três ciclos dominicais, as leituras só se repetem de três em três anos; nas semanas do Tempo Comum (depois do Natal e depois do Pentecostes) há trechos próprios para cada dia (dantes repetiam-se as leituras do domingo precedente) com alternância bienal da primeira leitura; a abundância das antologias bíblicas incluídas nos volumes do Lecionário dedicados ao Santoral e às Missas para várias circunstâncias torna possível a variedade das propostas, evitando a repetição sistemática das mesmas leituras.

Também foram favorecidas as possibilidades de «adaptação» na organização da Liturgia da Palavra da Missa. Não tanto no «próprio do Tempo» ao qual, na medida do possível, se deve dar prioridade para não se esvaziar o propósito de apresentar aos fiéis uma panorâmica completa de toda a Escritura. Mas, sem dúvida, no Santoral e no Lecionário das Missas Rituais, para diversas necessidades, votivas e de defuntos. São imensas as possibilidades de escolhas adaptadas de trechos que espelhem melhor o perfil espiritual de algum santo ou sejam mais adequadas às variáveis situações pastorais de pessoas e comunidades.

Os novos Lecionários são, sem dúvida, um grande dom do Espírito de Deus à Igreja do nosso tempo. Reconheçamos, saboreemos e demos graças.