
Quem vai a Roma, não deixará de visitar a “Ara Pacis”, no “Campo Marzio”. Trata-se de um belíssimo altar que Augusto dedicou à deusa “Paz”, no ano 9 a.C., para comemorar a sua vitória na famosa batalha de Azio, sobre o seu rival António. Essa adoração à “Paz” seria mesmo imposta a todo o império: é a célebre “Pax Romana”.
A deusa aparece-nos representada com a cornucópia ou «vaso da abundância», o pequeno Pluto, símbolo da riqueza, e um ramo de oliveira, expressão, em todas as culturas pós-bíblicas, da boa harmonia entre a divindade e a humanidade e vice-versa.
Pois é: creio bem que a paz se interliga com todos estes elementos. Ela, e só ela, permite as condições para a abundância: que os campos sejam cultivados, as empresas produzam bens e as instituições funcionem. Ela, e só ela, gera aquela riqueza que ultrapassa a mera soma dos bens materiais disponíveis, para se situar no íntimo do coração, lugar onde a felicidade se encontra ou desaparece. Ela, e só ela, manifesta a boa relação entre o homem e Deus, expressa na correspondência ao Seu plano: o de nos sentirmos efetivamente seus filhos, irmãos dos outros e cultivadores da natureza.
A visão de Augusto não estava mal. O dramático, porém, é que se tenha chegado a essa conclusão somente depois da guerra: a «paz» dos vencedores. Será que a humanidade só reage no contexto das quedas? Será que só aspira à paz quando sente a angústia e o pavor? Por mim, creio que é melhor não precisar do medicamento do que ser obrigado a tomá-lo depois das dores e provações atrozes. Para mais, perfeitamente evitáveis.
Como fazê-lo? Parece que, embora pela via romana, a palavra «paz» vem do indo-europeu “pak”, semantema que exprime a ideia de concórdia. Então, paz é concórdia. Não a que se impõe pelos pactos dos vencedores, mas por aqueles corações que sintonizam ou batem ao mesmo ritmo. Como tal, deixa de haver paz ou concórdia quando os ritmos ficam trocados… Na relação connosco próprios, na família, no trabalho, na sociedade e no mundo. E há por aí tanta gente que não se esforça por harmonizar com os outros as batidas do seu coração…
Começamos este ano sob o signo da paz. O Papa Francisco lembra-nos que “oferecer a paz está no coração da missão dos discípulos de Cristo”. Pois está: se formos, efetivamente, seus discípulos. É que só poderemos ser pacificadores se recebermos a paz d’Aquele que afirmou perentoriamente e que nós repetimos em todas as Missas: “Deixo-vos a paz. Dou-vos a minha paz”.
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